quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Zine, Matemática, Bell's e Johnny Cash...

Essas coisas sempre acontecem numa pausa de produção: enquanto enfrentamos um recesso de duas semanas sem filmagem, a vida segue com suas pérolas e algumas promessas. Quando se trata da minha vida então...

Numa dessas madrugadas, minha produtora e eu estávamos num papo descontraído no MSN, colocando algumas coisas em dia sobre o curta Os Batedores e jogando conversa fora. Alguns minutos sem trocar palavras e ela volta com a seguinte frase:

- Fui no banheiro cagar e tive uma idéia.

Uma dama, sem dúvida. A idéia, que poderia ser uma merda, acabou chamando meu cumpadre (que teclava com sua amada, da casa dele, por MSN) pra conversa: fazer uma zine sobre cinema independente em Porto Alegre, com o selo da Arquivo Morto. Opa, como assim? Isso mesmo. Começar com algo pequeno e de tiragem limitada, bem boca de rua mesmo, mas com material interessante sobre esses realizadores de cinema de guerrilha e seus projetos. Seria um meio de reunir esse núcleo cinematográfico (aproveitando que o cinema daqui é um ovo) e de divulgar o nosso selo. O que no começo soou como algo estranho pra mim, logo fez brilhar os olhos do meu cumpadre, que dizia “conta mais” pra moça. No fim, acabei gostando um bocado da idéia e o papo rendeu. Com água na boca, ficamos de verificar isso assim que terminássemos o curta.

Ainda na madruga e sem sono, passei um bom tempo trocando links de vídeos interessantes do You Tube com outro amigo meu. Ele havia me dito certa vez que não assiste mais TV: quando quer se divertir, ele digita “idiota” no search do YT e passa a noite toda rindo. Pelo menos ele dá um tempo na masturbação. Algumas dessas maravilhas que trocamos podem ser conferidas nos links abaixo:

PULP FICTION IN TIPOGRAPHY ->
O diálogo mais clássico do cinema nos últimos 20 anos mostrado de um jeito original e irreverente. Assista com o som alto.

ROCKY EM 5 SEGUNDOS -> A saga do boxeador Nº 1 da Filadélfia contada em 5 segundos. “Rushpatoish!”

O PAI DAS PUTA -> Vídeo comentado à exaustão por um certo bixcoito de Sta. Maria. Dublagem de Hermes e Renato para algum filme chinês da década de 70. “Pááára de botar pilha.”

300 UNITED -> Crossover dos filmes “300” e “United 93”, onde os espartanos combatem terroristas num avião. “Madness? This is United!”

Um sono num sofá apertado depois...

Meu pescoço era um “s” e o sol batia forte na minha cara de manhã cedo. Seria mais um dia de correria rotineira e uma prova de Matemática Financeira me esperando no fim da trilha. Que diabos. E eu lá sei algo sobre análise de investimentos? Como de praxe, não tive tempo de estudar e eu precisava tirar 7 pra passar na risca. Minha sorte é que tenho uma relação estranha com essa matéria: eu sempre acerto tudo, errando somente o que eu não fiz. E sempre tem alguma que eu não faço. Nada de ficar quebrando a cuca para achar uma saída. Sou um sujeito prático. Se não sei, rabisco um “x” bem grande na folha e era isso. Quando começou a prova, matei três das cinco questões no ato. Uma eu deixei, afinal, não sei fazer análise de investimentos, e a última tava foda, mas eu tinha a impressão de que poderia resolvê-la. Quando estava quase chegando num entendimento com o problema, eis que a mente se desvencilha dos números e me vejo viajando em uma música da qual eu sempre gostei e cujo clip dela encontrei no YT, pouco depois de dar boa noite ao meu amigo na noite anterior. Segue a letra:

Hurt (Johnny Cash)

I hurt myself today

To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

A madrugada (horário em que reanimei essa música na minha vida) nos convida a sermos melancólicos, mas é assustador pacaralho quando uma música tão poderosa e desoladora te descasca como uma laranja. Como se Reznor a tivesse escrito sob medida. Uma Centúria. Uma premonição do que viria ser uma descrição exata do que andou se passando por aqui. Mas que inferno. Eu sempre gostei de Johnny Cash, mas por que ele resolveu cantar nos meus ouvidos justo no meio de uma prova de Matemática?

É claro que eu sei, e é claro que a parte que diz “try to kill it all away, but I remember everything” se encaixa como uma luva (como todo o resto da música), mas faz um tempo que decidi que faço o que for preciso pra fazer as coisas acontecerem, não importando os meios ou se vou me foder depois, desde que a missão seja concluída, tal qual Jack Bauer. Pra não ser um mau caráter total com esse estilo de vida, basta tentar ser sábio e escolher direito as missões. Olhei pra última questão, que eu sabia que era pra ser resolvida por série de pagamentos, e matei ela com fórmulas de outra matéria. Dane-se. Meu objetivo era descobrir o valor de um parcelamento e eu descobri.

Saí da PUC corrido. Eu precisava de uma cerveja. Liguei pro amigo dos vídeos, que estava com outro faixa nosso, e fomos pro Bell’s, um barzinho super conhecido da Cidade Baixa e também o maior agrupamento de figurantes de curtas de Porto Alegre. O Bell’s é um lugar encantado onde tu encontra de tudo: ogros, lolitas, dublês de Lenny Kravitz, carecas baixinhos que pensam ser Elvis, entre outras esquisitices. Embora a ceva seja gelada e baratinha, não parece ser o tipo de lugar onde tu seria puxado por uma gata para dentro do banheiro das mulheres para conversar com ela mais de perto, parece? Bem, se essa moça tão gracinha ler isso, fique sabendo que meu All Star cano longo é mais clássico e que minha camiseta é lilás, e não rosa. Ah, e também adorei te conhecer.=)

No mais, meus amigos e eu findamos a noite com muita bebida e uma premissa: um deles está saindo do apê onde morava e quer dar uma festa neste sábado para destruir com a estrutura do lugar e a paz dos ex-vizinhos. Segundo informes, metade de Poa vai estar lá. A outra metade vai só tentar entrar.

Eu sou da metade que vai estar lá, e tu?

***

Dica de lugar:

Bell’s Bar: Rua José do Patrocínio, 290 – Porto Alegre

Quer ficar de pé, quase no meio da rua, com um monte de gente que está na mesma situação e dar risada disso enquanto enche a cara com pouca grana? Este é o Bell’s. Um buraco negro inexplicável onde todo mundo se acha (as vezes tu tens de cruzar com criaturas desagradáveis, mas isso é obra da democracia e não do lugar, fazer o quê…). A iguaria culinária do treco é o Bell’s Burguer, que eu cometi o sacrilégio de ainda não ter provado. Dizem que é o lanche de dois reais mais responsa da Cidade de Deus.

De segunda a sábado, o Bell’s é uma ótima alternativa para fim de noite…ou início de dia.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

8 e 80!

Chega o terceiro dia de filmagem do curta Os Batedores. Desta vez, com algumas peculiaridades que vale a pena enumerar: devido ao espaço apertado do set, apenas um representante de cada núcleo foi requisitado. Tínhamos também um prazo para término de gravação, pois um dos atores tinha compromisso para as 19h (ou seja, não poderíamos permitir qualquer atraso no cronograma). O risco de chuva era iminente e ameaçava comprometer o áudio. E a pior de todas: o set era no apê onde eu moro, e este apê não é meu.

Eu poderia prosseguir com o texto colocando o punhado de problemas que tivemos de enfrentar logo de cara e dramatizar a coisa (tal qual a cadeira de rodas que não fechava e tivemos de transportar dentro do Corsa do Filipe Ferreira – comigo embaixo dela – ou o atropelamento do nosso figurinista, cuja notícia eu recebi no início da tarde e tive de guardá-la para não “contaminar” o set), mas a verdade é que esta foi uma diária muito diferente da de domingo passado.

Se domingo passado foi o “80”, estressante, fatídico, alucinado e demolidor, este sábado foi o “8”: sossegado, simples, rápido e mortal. Embora tenhamos iniciado com uma hora de atraso no cronograma (pra não perder o hábito), terminamos tudo com uma hora de folga. Muito disso deveu-se ao feeling dos atores Artur José Pinto e Marco Soriano Jr. Seus diálogos soavam como uma música, ritmado, de tempo perfeito, como se os dois atuassem juntos há anos. Era bate-e-volta, lindo de se ver. Em algumas conversas que tive depois das filmagens, fiz a seguinte analogia: enquanto o França é um ator que abre um leque de um zilhão de possibilidades para o Diretor, o tipo de soldado que usa uma metranca giratória que acaba com uma floresta inteira, o Artur é o legítimo sniper: vai, mira, mata e sai de cena. Com texto na ponta da língua e uma habilidade de fazer o Odilon melhor do que eu imaginava, o Artur legitimou o papel de tal forma que era complicado de eu segurar o riso toda vez que ele acionava o gravador em cena enquanto via um programa de TV. Para alguém que estava segurando o boom (o König não havia dado o ar de sua graça nesta diária, então, sobrou pra mim e pro Álvaro revezarmos), isso era complicado.

Coloquemos aí também a presença sempre carismática do Eduardo Ribeiro, que rouba a cena na pele de Tosco, e teremos a diária mais sossegada e produtiva da qual se teve notícias. Não que as anteriores não tenham sido produtivas: todas elas renderam imagens maravilhosas. Mas a relação produção/stress, nessa filmagem de sábado, chegou num nível de paz inacreditável, tanto é que no nosso happy-hour no Cavanhas (que cedeu R$ 150,00 de alimentação para a produção do curta), eu só fazia sinal de “não” com a cabeça e dizia para mim mesmo: “não acredito que foi tão fácil”. O desfalque na equipe não comprometeu. Terminamos tudo com tempo de sobra. A chuva não atrapalhou o áudio, e o dono do apê onde moro foi dos mais cortês e prestativo.

Bem que as próximas filmagens poderiam ser assim.

No próximo findi, teremos recesso para o pessoal da equipe viver um pouco, resolver algumas pendências de produção e ajeitarmos algumas coisinhas no roteiro.

P.S: O Duca, figurinista, já se recuperou e passa bem.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Pot Pourri.

Depois deste domingo de combate, a semana tem me rendido toda sorte de momentos. Como um caleidoscópio, os acontecimentos me rodeiam e misturam sentimentos hilários e de frustração, de triunfo e de consternação, de expectativa e de irritação.

Comecemos com uma visita, na terça-feira, a um amigo meu que trabalha em uma videolocadora no Bom Fim. O conheci há cinco anos, lá mesmo, quando fui procurar emprego achando que a vida era bela para um cinéfilo como eu, se conseguisse trampar numa locadora. Lembro que a primeira coisa que este amigo me disse quando eu estava na fila foi:

- Só toma cuidado com as piadas de judeus.

Na hora não me dei conta, até que fui aprovado e comecei a ver como as coisas funcionavam no lugar: pagamento por hora (a soma no fim do mês era pouco menos que uma mixaria), reuniões semanais expositivas e uma política de “não-interação” entre os colegas de trabalho que faria qualquer psicólogo babar em ir fazer um trabalho de antropologia por lá. Durei dois meses no emprego, tempo suficiente pra me divertir no vestuário do lugar com uma das funcionárias e casar com ela. Este amigo está lá até hoje. Haja fibra.

Enquanto falava com ele no balcão, minha ex-chefe abriu a porta e me intimou:

- Foi tu que andou falando mal de mim no Orkut?

- Bah, Fulana. Falei mal de tanta gente no Orkut que eu nem me lembro. Mas pode ser.

Então ela começou um bonito discurso sobre o sentimento das pessoas e o quanto elas poderiam se magoar com certas coisas que elas lêem por aí. Retruquei falando algo sobre a relatividade da mágoa, formas de machucar pessoas realmente efetivas e terminei dando um conselho de amigo pra vaca:

- Releva, Fulana. Se tu levar a sério tudo que falam mal de ti no Orkut, tu enlouquece.

Durante o embate, meu amigo se encolhia atrás do balcão. Depois deste domingo, aquilo pra mim foi uma terapia.

Falando em Orkut e em coisas que podem magoar pessoas, é impressionante como certos cadáveres não se animam em ficar na cova. Tentam desesperadamente colocar a cabeça para fora do buraco só pra ver se levam um tiro nela. Mas é uma pena, pois meu rifle está apontado em outra direção e eu não atiro em deficientes (ou incapazes, ou deficientes incapazes). Disso eu só posso dar risada.

Nesta semana também, tive meu primeiro contato com uma nutricionista (pelo menos profissionalmente falando). Acabei descobrindo que estou pesando menos (quando, na verdade, estou tentando ganhar peso) e que minha altura é menor do que eu pensava. Descobri também que a profissão de nutricionista é bem menos obsoleta do que eu supunha. Ou isso, ou peguei uma das boas. Planilhas, planos de dietas direcionados, substituições e complementos alimentares. Uma análise detalhada e uma rotina alimentar pra seguir. A consulta durou quase duas horas. Saí de lá com seis folhas A4 só de recomendações.

Momento impagável 1: ela quebrando a cabeça para tentar driblar o meu “supermetabolismo”.
Momento impagável 2: ela me perguntando quais eram meus horários de alimentação e eu dando uma sonora gargalhada.

Curioso também foi o sumiço da nossa cenógrafa, que saiu de uma festa no domingo e não foi mais vista. É claro que mil e uma atrocidades passaram pelas nossas cabeças. O primeiro procedimento é ligar para os contatos. Depois se liga para os hospitais, polícia e necrotérios. O negócio se espalhou como um rastilho de pólvora, e ainda hoje me perguntaram se já tinham encontrado a moça. Sim, encontraram. Ninguém pensou em procurá-la na facul, enfiada dentro de um livro enquanto fazia um trabalho de fim de semestre. Tsc. Tsc. Impressionante como um desaparecimento em um curto espaço de tempo alardeia tanta gente hoje em dia.

No mais, alguns papos amigáveis com o Diretor do curta Os Batedores, que me passou suas considerações e alguns momentos memoráveis deste domingo, na visão dele: coisas que, na hora, nos apavorou, mas depois a gente sempre ri de tudo isso. A cara da maquiadora quando ela viu a luminária de gesso caindo. O grito estilo “Tom e Jerry” do figurinista quando prendeu os dedos na cadeira. A expressão no rosto do ator, câmera em close-up, quando se deu conta de que nocauteou de verdade seu antagonista em cena (e a voz do Diretor atrás, no automático, dando instruções pra começar tudo de novo).

Como diria Forrest Gump: merdas acontecem. Quando não são trágicas, temos mais é que rir de tudo isso.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Um Minuto de Silêncio.

Ontem recebi uma notícia que me estragou: o pai de um grande amigo meu faleceu. Numa dessas coisas que só acontecem em filmes, um outro amigo meu ligou enganado para a noiva deste amigo, descobrindo o fato por acaso e acionando os outros amigos mais chegados. Quando eu soube, voei para o Crematório Municipal e fui dar uma força para ele. Curioso que, chegando lá, dou de cara com meus ex-chefes (este amigo cujo pai faleceu trabalhava comigo no meu emprego anterior). Vi nos olhos deles que eles não ficaram muito felizes em me ver, mas cumprimentei cada um como manda o roteiro. Da minha parte, senti uma leve pontada de satisfação em ver que este amigo, que estava passando por uma hora tão difícil, tem todo esse apreço dos diretores da empresa. O momento era de tristeza, mas isso foi algo bom. Outros amigos nossos chegaram para apoiá-lo também e acabamos em roda, relembrando, como sempre, os velhos tempos. Quando se vê um amigo num momento assim, a gente quer acolher, abraçar, proteger. Mas admito que nós, os amigos, estávamos nos sentindo impotentes, pois sabíamos que ele ia passar por dias difíceis.

Sobre o pai deste amigo eu posso dizer que era uma pessoa das mais únicas: dono de uma determinação impossível e de um bom humor impagável. Sempre me tratou super bem e já foi, inclusive, protagonista de algumas histórias do extinto G6. Para atestar o carisma dele, basta dizer que sua morte arrastou uma penca de gente, de Rosário do Sul até Floripa. Todos eles com olhos marejados.

Deixo aqui registrado todo o meu apoio, a este grande amigo e a família, neste momento difícil.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Turbulência!

Agora entendo um pouquinho do que Jack Bauer passa quando algum roteirista amalucado resolve que seria engraçado colocar um agente da CTU no seu pior dia. Não me entendam mal. Não foi um dia ruim. Mas foi um dia de provações, insólito, cansativo, enfim, um dia muito, muito difícil. Malditos roteiristas.

Segue a Segunda Diária de filmagens do curta Os Batedores, neste domingo passado...

Começamos pelo trivial: Filipe Ferreira, Soriano e eu indo de manhã até Canoas para buscar nada menos que algumas genitálias decepadas na casa do Ghiorzi. Como um passeio no parque, o nosso mestre do FX virava pra trás e dizia “Filha, fica aí que agora o papai tá trabalhando” enquanto nos mostrava os pênis que havia tecido em latex.

- Peguei o modelo num site pornô.

Infelizmente, o Ghiorzi tinha compromisso de tarde e não pôde nos acompanhar nas filmagens de logo mais.

Primeira baixa.

Chegando na Lumiere, constatamos que o Padilha, eletricista e pau-pra-toda-obra, iria nos acompanhar na empreitada do dia: a cena em que nosso herói Raul (Marco Soriano Jr.) vai pedir dinheiro emprestado ao Marcião (João França). A equipe técnica voltaria a ter Márcio e König, que guardavam os equipamentos na Kombi. Fernandinho, assistente de câmera que estava confirmado, ligou para o Ferreira desmarcando, pois tinha que socorrer o pai que havia pifado o carro na rodovia.

Segunda baixa.

Enquanto embarcávamos na kombi e seguíamos para a locação, meu celular parecia ter Síndrome de Tourette. Tocava. Tocava. Tocava sem parar.

“Que horas na estética?” Dizia a Gabi.
“Já estamos aqui na locação.” Dizia a Bruna.
“Tem que buscar a mesa.” Dizia a Cris.
“Vão sem mim.Vou de bus.” Dizia o Jé.
“Que horas vai ser a cena com os figurantes?” Dizia o Jack.
“Que horas vocês passam aqui?” Dizia a Juliana.
“Nós vamos parar pra comer alguma coisa?” Dizia o König, mas este não era por celular.

Neste meio tempo, eu ligava e ligava e ligava para sanar o meu pior problema naquele momento: o desaparecimento do instrutor de academia que faria uma ponta como o segurança do Marcião para nós. Nada do indivíduo. Celular desligado.

A kombi chega no Beco...

Sim, o tão comentado Cabaret do Beco seria o lar do Marcião. Carlos, um dos donos do lugar, nos cedeu gentilmente seu domingo de descanso e o ponto para que executássemos esta cena com o clima opressivo que precisávamos. De uma hospitalidade bacana demais, o anfitrião nos mostrava os locais onde poderíamos fazer platôs, colocar luzes e modificar (ou não) para montar a jogada. O restante da equipe começou a chegar e logo a Cíntia já estava no comando provisório. O Ferreira corria para pegar o França e levá-lo na estética, a Bruna seguia na missão ingrata de tentar achar o segurança na casa dele e trazê-lo a força (se alguém poderia fazer isso, esse alguém é ela), e eu corria com o Cristian e o Padilha para pegar os objetos e móveis de cena. Pouco antes de a Bruna ir à cata do grandalhão, o Marco veio correndo e pediu encarecidamente para sair junto. Com olhos cheios de água e engolindo em seco, o matador de 5-15 estava, como diria o Capitão Nascimento, com medinho de ficar dentro do set, pois o lugar, segundo ele, era muito pesado. Sim, ele é um bixcoito.

Problemas de sexualidade à parte. Durante a busca pelos objetos, angariamos Cris e Cainã (não, não é uma dupla sertaneja) e os Irmãos Zandoná (também não é dupla sertaneja, mas passam perto). No trajeto, Padilha me confidenciou que só poderia ficar conosco até às 16h, pois teria de ir buscar a filha depois.

Terceira baixa.

Após desovar esse pessoal no set, constato que a Bruna não conseguiu encontrar o maldito segurança em casa.

Quarta baixa.

- Édnei, posso chamar outro cara pra fazer o segurança. Dizia o Cristian.

- Quem?

- Ele é grande, mas tem um problema.

- Que problema?

- Ele é meigo.

- Hã?

Tratava-se do Carlos Thomaz. Cinéfilo do gore e amigo de longa data do Cristian. Sim, o cara era grande e tinha um talento dramático diferenciado (como ele mesmo gosta de enumerar), mas servia, afinal, um cara do tamanho que esta cena exigia não seria fácil de encontrar.

Depois de Bruna, Duca e Pomba (ou seria o Cristian?) arrastarem o Thomaz para o meio do vendaval, Bruna e eu seguimos para a estética, onde o João França estava sendo parafernalhado para a cena. Aqui saliento a disposição e talento das meninas da Flach, Ivete e Verinha, que conseguiram deixar o França bonito para o papel de Marcião, o emblemático agiota que vai dar dor de cabeça ao Raul. Momento kodak: durante uma fita de Making Of, gravado pela Gabi, o França me abraça e diz “O criador e a criatura”, com aquela espirituosodade toda inerente a ele.

Tudo pronto e um irreconhecível França depois, fomos para o set, que já estava praticamente montado. Chego lá e descubro que um acidente de percurso adulterou a decoração do local e os ânimos da galera. E lá vai o Édnei falar com o Carlos para solucionar o problema. Ouço alguém no canto dizer algo parecido com “o cara é o Super-Homem”. Não sei se era pra mim, mas com certeza falar com o dono da locação e garantir a integridade da mesma era mais um leão que eu tive de matar. Com aquele atraso típico de quase uma hora no cronograma, começamos os últimos ensaios. Atores já figurinados e maquiados. Julia batendo fotos afu. Luzes prontas. Cenografia pronta. Numa sala escura com ursos de pelúcia pendurados no teto, Filipe fazia sua última reunião com o Marcelo e a Cíntia, antes do batente.

Luz, câmera, AÇÃO!

Ligeiro (Jéferson Rachewsky) encarava o segurança (Carlos Thomaz) de Marcião enquanto Raul tentava extorquir algum do agiota. De novo. De novo. De novo. Agora outro plano. As tábuas rangiam. O calor era descontado nos copos de água (cedidos para o curta pela Águas Mineral Sarandi). Minha cabeça explodia enquanto eu tentava tirar uma soneca escorado na parede, num dos poucos momentos em que tive descanso neste dia. Acordei. Voltamos ao problema da alimentação. Logo chegamos à conclusão de que o lance era pizza novamente. Desta vez tive de negociar com uma pizzaria para me darem uma pizza a mais pelas cinco pizzas gigantes que estávamos comprando. Consegui uma pizza doce só jogando charme em cima da Karine, a moça da tele. Ela devia estar numa maré ruim.

Numa daquelas casualidades decorrentes de cronogramas atrasados, nossos figurantes começaram a chegar para a cena de Flashback junto com as pizzas. Como dizer pra essa turma, que veio participar na parceria e no amor, pra esperarem um pouquinho que a equipe tinha que comer um rango que já estava contado? Situação chata, claro. E lá vai o Édnei conversar com eles. Entenderam tudo de boa, alguns foram dar uma banda, outros ficaram e conversaram com o Jack, que estava fazendo a sala, outros ainda compraram cervejas...enfim, deu tudo certo. Faltava apenas o Devedor chegar.

Hã? Como assim? Isso mesmo. Graças a outro contratempo, Paulo Carvalho, colaborador-mor da Arquivo Morto que faria o papel de Devedor, só poderia chegar um pouco mais tarde. E lá vai mais algum atraso no cronograma. Quando essa figura chegou, foi aquela correria. Figurino, lustre na careca, e vamos nós de novo filmar. Desta vez, era a cena do Flashback, que mostrava o que acontece quando alguém deve pro Marcião e não paga. Lá atrás, os figurantes dançavam empolgados enquanto o Álvaro mexia um canhão de luz. Com um travelling, uma incorporação completa do França, e alguma paciência, conseguimos capturar a aura ameaçadora e mortal do agiota, que olhava com ódio enquanto o Devedor mostrava a foto da família para tentar explicar que estava com problemas financeiros. Novamente tivemos outro contratempo, enumerando mais uma baixa (perdi as contas de quantas pessoas foram se desligando da equipe neste dia). Embora já tivéssemos a cena, esse contratempo em especial me deixou no chão.

Eram 11 e picos da noite quando, finalmente, encerramos os trabalhos. Liberamos as pessoas de volta à suas vidas e fomos até a Lumiere descarregar as coisas. Nossos pontos altos foram as caras de satisfação do pessoal do back vendo o resultado dos nossos esforços no pequeno monitor: o Jé olhava pra mim e dizia “Do caralho!”. O Cristian olhava pra mim e dizia “Do caralho!”. As meninas da Flack sorriam orgulhosas com o bom trabalho. Era visível a satisfação geral. Alguma palhinha do treco vocês podem conferir na foto.

Este domingo de filmagem foi o meu domingo mais turbulento de set. Eu só queria que o dia acabasse. Deitei por volta das 01:30 da manhã e estava tremendo. Não consegui dormir. Foi um suplício pra levantar da cama na manhã de segunda-feira. Embora todo mundo tenha se esforçado e dado o máximo para fazer da filmagem de domingo um sucesso, espero, sinceramente, que os outros colegas de equipe tenham curtido mais do que eu... ou se estressado menos.

São as peculiaridades de se fazer cinema de guerrilha. O que importa é que “temos”.

Sábado que vem tem mais.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Promo 11/11 - OS BATEDORES


Segue o Promo das filmagens de Os Batedores, neste domingo passado. Na apresentação dos personagens, Marco Soriano Jr (Raul), Cláudio Benevenga (Arauto) e Eduardo Ribeiro (Tosco) mostram suas latas na mais nova produção da Arquivo Morto.

Muita correria, apuros e uma bolsa cheia de dinheiro ainda estão por vir. Fiquem ligados.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Começa o Espetáculo.

E chegou o domingo. Após uma noite inteira de chuva, bebidas e preces, amanhece na capital gaúcha com um inacreditável céu aberto. As pessoas me ligavam às 06:40h da manhã para perguntarem se estavam sonhando ou se o tempo realmente tinha melhorado. E tinha. Há de se fazer um parênteses aqui: embora seja regra de ouro deste blog não citar nomes, sou inclinado, neste tópico e talvez em alguns próximos, a burlar essa regra para enumerar os acontecimentos fantásticos que aconteceram e, principalmente, os que estão por vir. Desculpem, mas às vezes eu sou volúvel.

1º dia de filmagens de Os Batedores. A brisa outonal nos chicoteava enquanto abancávamos o equipamento de filmagem na kombi, às 7 da matina. Eu estava especialmente pregado, pois tinha passado a noite toda no aniversário do Cabaret do Beco (lugar que já citei em outro post) e saído de lá às 05:40h. Mas quando o assunto é cinema, algo toma conta de mim e eu viro o coelho da Duracell.

Redenção. Oito e trinta. Quase toda a equipe já estava lá, inclusive meu pai, que veio de Guaíba só pra dar um toque especial e abrir com chave de ouro o nosso curta, na primeira cena. A correria começou lá pelas 9 e tantas, pouco depois da Cláudia, produtora, negociar uma autorização com a administração do parque em troca de um capacete de R$200,00 (?), que a Arquivo Morto, em tese, teria de pagar alguns dias depois. Com certeza algum afegão vai esperar um bocado pra proteger a cuca por lá.

Platô montado, sol batendo na testa, e o grito de “Valendo!” do Filipe Ferreira. No banco de praça, a cena era Raul, o batedor de carteiras mais safo da parada, afastando um leitor enxerido (meu pai) com um olhar torto. Um crossover dos mais improváveis estava acontecendo ali: Marco Soriano Jr., o ator-ícone da Arquivo Morto, e Euclides Rodrigues, o lendário Kid, pai deste que vos escreve, trocando felpas num banco de praça. Obviamente que isso era um sinal de que a coisa ia ser pra lá de especial. Não tenham a menor dúvida, foi. A equipe se puxava fazendo contenção (o Henrique era tão educado na contenção, que fazia os transeuntes agradecerem por terem de desviar de seu caminho), enquanto éramos protegidos por um brigadiano de bicicleta chamado “Bono”. Não demorou muito para que o pessoal da Parada Gay (sim, era dia de Parada Gay) começasse a fazer zoeira do outro lado do parque e comprometer o áudio com caixas de som potentes e Village People. Guerreiro, König se virava como podia para puxar um bom som no seu boom, enquanto meu pai já saía de cena e cedia seu espaço em tela para Cláudio Benevenga, envergando elegantemente um terno risca de giz na pele de Arauto, o capanga robótico do vilão do curta. Enquanto isso tudo acontecia, Julia fazia os registros com sua máquina frenética (saldo de quase 400 stills).

Enquanto Raul passava apuros sendo extorquido, nossas produtoras se puxavam para sanar pequenos problemas e um problemão: a alimentação da turma. Numa solução ousada e dispendiosa, mas inteligente, a Bruna começou a assar pizzas no platô e programar um almoço por turnos para os guerreiros, que vinham paleteando coisas, arrumando figurino, objetos, contendo pessoas indesejáveis e trabalhando duro desde cedinho. No set, o bicho pegava afu e o sol castigava a pino. Eu, que estava no rebatedor, ouvia a pele dos atores fritando enquanto minha testa estava tão quente que poderia fazer um omelete nela. A Lisi retocava o Make-Up e Cíntia e Marcelo, os assistentes de direção, elocubravam soluções para algumas tomadas junto ao Diretor, que pacientemente me emprestava o celular para sanar algum pepino novo.

Próxima parada: Centro da cidade.

Com atraso de uma hora e meia no cronograma, chegamos na Travessa Leonardo Truda para a cena de perseguição. Eduardo Ribeiro (que eu ainda não conhecia) trocava risadas com Ricardo Ghiorzi enquanto nos aguardava. O primeiro para o papel de Tosco, o pior pesadelo de qualquer um; o outro, o responsável por nossos FX, que se deslocou de Canoas só para fabricar uma cicatriz na cara do grandalhão.

Novamente montamos platô e preparamos o Eduardo enquanto a elite do curta saiu para filmar a cena do orelhão. Não posso contar muitos detalhes sobre isso, pois não sou da elite (beiço). Mais uma vez, o pessoal do figurino se puxou na confecção do personagem. Não sei onde diabos arrumaram aquela camiseta, mas foi como se o Edu tivesse nascido com ela, de tão boa que ficou. Há de se enumerar aqui sobre a eficiência do Duca (figurinista) na idealização dos costumers, e da Juliana (Produtora de Figurino) na disponibilidade das roupas. Sintonia é o que há ali.

Chega a cena da perseguição, que foi tão complicada quanto divertida. Nela, Raul foge de Tosco pelas ruas do Centro. Eu estava com medo que o Soriano corresse demais e a coisa ficasse meio inverossímil, pois o Edu é grande. Grande do tipo MUITO grande. Ledo engano. Quando tu vê um cara de 2 metros de altura e 140 kg com aquela velocidade, tu começa a suspeitar de que tem algo errado na Matrix. Raul olhava pra trás e via o Tosco bufando no seu cangote, pau a pau. Soriano suava. Eduardo não. Atrás da câmera, Márcio Cardoso fazia mágica enquanto corria e filmava ao mesmo tempo, sempre com um sorriso no rosto, mantendo uma estabilidade sobre-humana (o que lhe rendeu o apelido de “Steady-Man”). Aqui, valeu a paciência da turma em atravessar ruas e, novamente, fazer contenção enquanto o Tosco, escorado em um poste, assustava um pai e seu filho que passavam desavisados pelo set. Os coitados atravessaram a rua, temerosos por suas vidas só de olhar para ele.

Nos poucos minutos de folgas que tínhamos entre um take e outro, o Edu fazia a alegria da galera com suas histórias escabrosas e sua coreografia “Sandy e Júnior”. Embora a Gabi estivesse registrando alguns momentos com uma filmadora, ela não conseguiu pegar essa pérola. Ao seu lado, Fernanda tirava fotos para o continuísmo. Momento ímpar: Eduardo me contando uma história sobre sua descendência canina. Quando tiveres oportunidade, pede pra ele te contar sobre isso...

Um episódio a parte foi o da já famosa pedra. Cris e Cainã produziram uma pedra cenográfica perfeita para a cena, mas ela era de isopor e ventava muito no set. Num determinado momento, vemos o Marcelo correndo feito louco atrás da pedrinha, que fazia sozinha uma curva a lá Fórmula 1 e seguia animada pela Av. Mauá. Destaca-se também a péssima pontaria do Soriano, que tinha a missão simples e divertida de jogar a tal pedra na cabeça do Edu. Uma. Duas. Três tentativas. Nada. Começamos a cogitar em trocar o Soriano por um dublê de arremesso, pois era óbvio que o ator tinha tido uma infância frustrada, na qual ninguém o escolhia para parceiro de taco. Não precisou. A pedra pipocou e a cena ficou nada menos que perfeita.

A função foi até às 7 da noite. Reunimos os remanescentes na Cidade Baixa para bebemorar (vide foto) e comentar sobre as atrocidades que cometemos no decorrer do dia. Nos fodemos afu: acordamos cedo, queimamos no sol, aturamos toda sorte de contratempos técnicos, corremos de um lado para o outro como baratas tontas, viramos quase 11 horas de função...olha...não sei dos outros, claro, mas pra mim foi simplesmente tudo espetacular. O tipo de trip que alucina, motiva, nos enriquece, mesmo que ninguém esteja ganhando um tostão furado. Filmar é a melhor função do mundo, minha gente. E com essa equipe então...


No próximo domingo tem mais...

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O show não pode parar!

É isso aí. Uma semana se passou e agora minha vida está, finalmente, entrando naquela corrida frenética que sempre foi. Com filmagens para este findi e muito para fazer, minhas vezes de Diretor de Produção do curta Os Batedores ganha status de “Deus”. Minhas costas doem e meus ouvidos zunem com as cobranças da função. Quem pensou que vida de cineasta de guerrilha era ficha, repense. Por isso se chama “guerrilha”, filho. Não é tu ir mamar nas tetas do governo e embolsar uma grana de uma lei de incentivo pra fazer uma coisa que, certamente, ficará uma merda na tela. Aqui se gasta do próprio bolso, se transpira pacaralho e se faz tudo por amor, paixão, tesão e diversão. Como diria o Braga: “Independente os colarinhos, rapá”. Ganhou dinheiro, mano, já é “cinema dependente”.

Além do Braga, tenho que citar o saudoso Freddy Mercury, que berrava aos quatro ventos uma verdade incontestável:


The Show Must Go On (Queen)

Empty spaces - what are living for
Abandoned places - I guess we know the score
On and on,
does anybody know what we are looking for...

Another hero, another mindless crime
Behind the curtain, in the pantomine
Hold the line,
does anybody want to take anymore

The show must go on,
The show must go on
Inside a heart breaking
My make-up may be flacing
But my smile still stays on.

Whatever happens,
I'll leave it all to chance
Another heartache,
another failed romance
On and on,
does anybody know what we are living for?

I guess I'm learning,
I must be warmer now
I'll soon be turning,
round the corner now
Outside the dawn is breaking
But inside in the dark
I'm aching to be free

The show must go on,
The show must go on
Inside my heart is breaking
My make-up may be flaking
But my smile still stays on

My soul is painted like the wings of butterflies
Fairytales of yesterday will grow but never die
I can fly - my friends

The show must go on
The show must go on
I'll face it with a grin
I'm never giving in
On - with the show -
I'll top the bill,
I'll overkill
I have to find the will to carry on

On with the -
On with the show -

The show must go on...


E não parou. Oficialmente, estou entalado até o pescoço de afazeres até o dia 09/12 e além. Pré-produção, produção, pós-produção...daí vem meu lado profissional de merda bater na minha porta, minhas obrigações finansérias me mordendo o pescoço e a facul... Caralhoooooooooo, a bendita facul...

Se eu fosse um bundão, pediria férias. Mas quem eu pentelharia nas férias, certo? Então o negócio é seguir o barco (sem vela mesmo, remamos no braço), abraçar tudo e resolver uma coisa de cada vez.

Sim, estou de volta. E o show não pode parar...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Requiém.

Hoje é um dia triste. Um homem de idéias, que se importava com os outros e se interessava pelas coisas simples, um irmão, um amigo verdadeiro, alguém que foi como um anjo no meu ombro este ano, simplesmente morreu. Assim. Vítima de uma forte pneumonia, daquelas que todo mundo um dia teve na vida, mas que o abateu de tal forma que seus últimos dias foram somente de dor.

Este homem, este amigo – esta mão que me acolheu e me mostrou tantas coisas – deu infindáveis certezas do quanto a vida podia ser bonita, do quanto o belo podia se manifestar no simples, no básico, no dobrar de uma esquina, numa singela mensagem de bom dia, numa esperança de um acontecimento trivial qualquer, pois ele conseguia ver a beleza onde, para outros, só havia rotina, só havia o vazio.

Hoje é um dia triste. Essa perda me atordoa de tal forma que sei que nunca mais serei o mesmo. Porque sei que um pedaço de mim se foi. Um pedaço importante. Um pedaço humano muito grande. Aprendi com esse cara a ser sincero, honesto, a esperar coisas boas das pessoas, a ver a humanidade com olhos de criança, que sempre espera por uma brincadeira. Aprendi a confiar, a sorrir sem compromisso, a sugar da vida a vitalidade de um campeão, a manifestar os sentimentos mais puros e lindos que alguém pode ter. Ele me mostrou isso de forma íntegra, sem cobranças, sem esperar nada em troca. Esperava de mim apenas a certeza de que eu me esmeraria em ser uma pessoa melhor. Era sua única meta: me fazer crer que, embora eu sempre tenha apanhado, a vida podia ser boa pra mim e eu podia voltar a ser feliz.

É terrível quando alguém tão crucial para a gente se vai. Desaparece. Deixa de existir. Como se fôssemos um barco, no meio do imenso oceano, e essa pessoa tão especial fosse nossa força motriz, nossa vela. Uma música que ilustra muito do que esse amigo significou para mim é a que está abaixo:

O Barco e a Vela (Carlos Lyra)

O seu olhar, quase sempre distante
em algum lugar que nem imagino.
Talvez eu seja louco o bastante
e vá seguir você até o fim do mundo.

Vaguei sozinho por lugares perdidos,
correndo atrás de alguém que não merecia.
Você me fez olhar pro horizonte
e ver um lado meu que eu não conhecia.

Não sei se o seu barco tem vela,
nem sei se o seu lago tem fundo.
Mas quem quer saber de respostas,
se a vida é tão breve e muda a cada segundo.



E de repente, eu fiquei sem vela...

Hoje é um dia triste. Iniciou chuvoso e persistiu até que um temporal se abateu sobre minha cabeça, prenunciando essa pequena e inconfessável tragédia. Como diria Stalin, a morte de um realmente é uma tragédia, e a de muitos, uma estatística. Tenho medo, muito medo, que a morte de hoje tenha me transformado em alguém como esse russo.

Amigo, espero que tu faças tantas outras pessoas felizes como me fez, mesmo que por um punhado de meses. Te conheci por pouco tempo, tentei aproveitar o máximo dos conselhos que me deste, tentei ser uma pessoa melhor. Infelizmente, meu grande amigo, meu novo e velho muito velho amigo, sem ti, eu não conseguirei ser uma boa pessoa. Não conseguirei ver coisas boas como vi, nem sentir o que senti, nem me doar como me doei, pois contigo, como eu disse acima, foi embora o pedaço de mim que mais valia a pena.


Adeus, meu amigo, e obrigado. E se um dia voltares, eu estarei aqui, de braços abertos, para sorrir de novo.

Sábado Cheio – Segunda Parte – A Nova Equipe

Chega então a esperada reúna com a nova equipe de Os Batedores, lá na Casa de Cultura Mário Quintana (que loca salas bem amplas para ensaios pela bagatela de 10 pilas o turno). Como de praxe, dois ou três caboclos burlaram o encontro (por N motivos), mas a grande massa estava lá.

A sessão de apresentação de cada um foi um dos melhores episódios, com direito a piadas repetidas sobre os A.A., vermelhidão, gagueira e até um breve retrospecto da trajetória da Arquivo Morto para os menos informados. Interessante também foram algumas visões peculiares sobre o roteiro, algumas rinhas sobre “o que funciona e o que não funciona na tela” (ficou 1 x 1 entre o Diretor e eu) e a fotinho quase oficial da turma, batida pela sempre carismática...ops, eu disse que não ia citar nomes, certo? Ah, a menina dos stills...

Quando findamos a reunião e descemos, eis que nosso figurinista chega arfando, levemente atrasado devido ao trabalho. Há de se enumerar o episódio da camiseta que ele pegara emprestado do nosso Produtor de Elenco e, sem pedir licença, meteu um tesourão na gola, tornando a peça mais...fashion.

- O que tu fez com a minha camiseta??? – Produtor incrédulo.

Coisas de figurinista. Se há algo que aprendi sobre esse pessoal das roupas, é que são todos pirados: TODOS. Mas alguns (como esse) são legais...

É claro que os mais enturmados seguiram para a Cidade Baixa, para esticar, bater papo, beber um bocado e, porque não, falar sobre o projeto. Um fato curioso e levemente fútil aconteceu na minha chegada ao local que haviam escolhido para a bóia, mas pulemos essa parte...O clima estava super bacana e o pessoal, novo e antigo, começou a se enturmar e conversar sobre diversas coisas. O engraçado é que estávamos bebendo sentados em um bar, mas a galera estava pedindo pastéis no bar do lado. Isso que é cooperação entre estabelecimentos...

Um pouco mais tarde, fomos prestigiar um dos atores do curta, que é um dos donos do bar que ficava do outro lado da rua. Saímos de um e sentamos em outro, e dá-lhe mais ceva. Fomos recepcionados pelo próprio, que conheceu uma boa parte da equipe e disse que já estava preparado para o papel, pois o Odilon (personagem dele) era ele próprio. Uns dias atrás ele havia me mandado um scrap dizendo que o roteiro estava bacana e que eu tinha filhos lindos. Nosso Produtor de Elenco cismou que os “filhos”, na verdade, eram os personagens que eu havia criado. Segue a conversa:

- O que tu quis dizer com “teus filhos são lindos”, naquele scrap que tu deixaste pro Édnei?

- Quis dizer exatamente isso.

- Tá, mas tu tava falando dos personagens, certo?

- Não. Dos filhos dele mesmo.

- Tá, mas tu viu eles? Viu o álbum do Édnei?

- Sim.

- Mas...é isso mesmo? Não é sobre os personagens?

- Meu amigo, a vida é muito mais simples do que parece.

(Hehehehehe, desculpem-me os praticantes deste diálogo, mas tive de colocar isso no ar.)

Mais algumas conversas paralelas depois e o pessoal começou a se dispersar. Recebi informes de que alguns ainda esticaram. Outros caíram duros na cama.

E outros...

***

Dica de Lugar:

Casa de Cultura Mário Quintana: Rua dos Andradas, 736 – Porto Alegre - http://www.ccmq.rs.gov.br/novo/principal/index.php

Dois prédios com 6 andares cada e diversos ambientes: salas de ensaios, teatros, 3 cinemas, cafés, bibliotecas, uma sala temática só da Elis Regina, um quarto que dizem ser igual ao do Mário Quintana. A CCMQ também costuma ceder espaço (ou alugar, eles são meio mercenários) para alguns picaretas darem oficinas de cinema. Fora isso, é um local bacana de se visitar, onde sempre tem algo de cultural acontecendo.

Ah, um dos prédios tem um sétimo andar, onde fica o Café Concerto. Não peça o Irish por lá e evite o local em dias chuvosos. De resto, é até um lugar com bom visual e ideal para encontros e desencontros...