quarta-feira, 17 de junho de 2009

Ser ou não ser...um vulcano.

Depois de me divertir com as memórias de William Shatner relativas à produção da série clássica de Star Trek, o segundo livro biográfico Trekkie que meu colega de trabalho me emprestou não deixou por menos: Eu Sou Spock, escrito pelo ator Leonard Nimoy, tem um título pra lá de intrigante e, claro, chamativo. Curiosamente, ele foi escolhido pelo autor para solucionar um mal entendido que vinha perdurando desde 1975, quando escolheu intitular seu livro anterior como Eu Não Sou Spock, a fim de não se deixar estigmatizar pelo célebre personagem de orelhas pontudas.

Graças a esta (infeliz) decisão, Nimoy angariou toda sorte de infortúnios que a má escolha de um título poderia proporcionar. Era para ser uma análise simples e direta, enumerando que Leonard Nimoy existe e é um homem de carne e osso e que Spock, embora amado por milhões de pessoas, é apenas um dos muitos personagens que o ator é capaz de interpretar, porém, Eu Não Sou Spock atraiu a fúria de grande parte dos Trekkies da época e colocou uma série de dúvidas nas cabeças dos executivos da Paramount, que pensavam em produzir uma nova série de Star Trek (a Phase II), mas tinham certeza absoluta de que Nimoy odiava Spock demais para querer reprisar o papel.

Para fazer as pazes com os fãs que ainda tinham dúvidas de seu afeto pelo vulcano e nos trazer uma série de informações sobre sua carreira como ator e diretor, os bastidores de Star Trek (da série clássica, até os seis primeiros filmes para o cinema) e suas concepções acerca da criação e manutenção do personagem Spock, eis que Leonard nos brinda com Eu Sou Spock, 20 anos depois de sua gafe literária.

Logo na primeira frase do livro, Nimoy nos confidencia algo perturbador: ele fala sozinho. E não é só isso: a voz que lhe chama e conversa com ele praticamente todos os dias é lógica, ponderada e isenta de emoções. O ator admite que, desde o dia em que deu vida a Spock até o fechamento do livro, o vulcano tem se tornado parte de sua psique de uma forma implícita, mas muito presente em sua vida. Não era raro pegar-se pensando de maneira fria e até falando como E COM Spock. Estas conversas que tem com seu alter ego são ilustradas em divertidos diálogos espalhados por todo o livro, que nos dão uma idéia de como o ator lida com o seu alienígena interior nas mais inusitadas situações.

É curioso notar que, embora Spock seja um personagem lógico, incorruptível e competente no que faz, o próprio Leonard Nimoy carrega essas características na sua vida pessoal e profissional (e, claro, muito disso foi levado para a criação do vulcano). Cito o exemplo da jovem que roubou o carro da mãe e gastou mais de 1500 dólares em cheques roubados para chegar até Holywood e poder ver Leonard Nimoy de perto. Nas palavras do próprio ator: “é claro que fiz questão de não vê-la, afinal, não queria encorajar aquele tipo de comportamento”.

O acuro com o qual o ator lidava com suas falas e os roteiros dos episódios de Star Trek - The Original Series (ou TOS, como é conhecida), demandavam memorandos e mais memorandos de dicas e reclamações. Um ótimo exemplo disso é um memorando carinhoso que o ator enviou para os produtores de TOS, relativo ao episódio Whom Gods Destroy, dizendo que não tinha know-how para interpretar “palermas” (no referido episódio, Spock encontra problemas em identificar o verdadeiro Capitão Kirk de um farsante e chega a ser desarmado pelo mesmo, que estava de mãos vazias). Claro que haviam também ótimos memos de outros engajados na série que foram ilustrados no livro, como o famoso memo que Bob Justman, Co-Produtor da Série Clássica, mandou para Gene Roddenberry, sugerindo que todos os vulcanos machos deveriam ter seus nomes próprios com cinco letras ao todo, começando com SP e terminando com K, e relacionando exemplos hilários, onde pérolas como Spruk e Sperk figuravam numa lista maluca de nomes.

A maneira polida, mas enfática, de Nimoy requisitar melhorias para poder executar melhor o seu trabalho, também renderam ótimos relatos e espelham, no livro, o quanto era árduo o dia-a-dia nos estúdios da Desilu, com todo tipo de cerceamento de verba que a NBC podia exercer (já que a mesma não acreditava no programa) e uma carga horária bem puxada: o dia de Nimoy começava às 6 da manhã na cadeira de maquiagem (lamento ser eu a dizer isso, mas aquelas orelhas pontudas eram falsas) e terminava, pontualmente, às 18h18min, quando os encarregados do estúdio desligavam as luzes (isso era religioso: não importava se estavam no meio de uma filmagem ou não, as luzes se apagavam naquele horário).

Além de abordar sua participação na série e os efeitos da popularidade de Spock em sua vida (como, por exemplo, multidões lhe perseguindo e planos de contingência para entrar num restaurante para comer) e na amizade que tinha (e ainda tem) com William Shatner, Nimoy faz um apanhado de sua carreira nos palcos e, principalmente, atrás das lentes. Curiosidades de como pegou a direção de Jornada nas Estrelas III – À Procura de Spock, e de como a Paramount tentou de tudo para colocar Eddie Murphy (?) no 4º filme da franquia estão lá, contadas nos mínimos detalhes. Suas experiências na direção de O Preço da Paixão e Três Solteirões e um Bebê também estão no livro.

A narrativa segue até a participação que fez no episódio duplo Unification de Star Trek – The Next Generation (ou TNG, como é conhecida), onde os tripulantes da Nova Geração se encontram com o vulcano (que, vale lembrar, pertence à cronologia da Série Clássica, que se passa no ano de 2266, enquanto o 1º episódio da Nova Geração se passa em 2364, evidenciando a longevidade dos vulcanos). Aqui, o ator abre um parênteses para dizer que mordeu a língua ao conjeturar o fracasso de uma nova série que não fosse protagonizada pela velha tripulação (referindo-se, claro, ao lançamento da Nova Geração), pois não acreditava que pudessem capturar o gênio na garrafa duas vezes (felizmente, vimos que Nimoy estava errado: TNG foi um grande sucesso, rendendo 7 temporadas e 4 filmes para cinema).

O livro foi finalizado próximo ao lançamento do filme Generations (no qual o ator recusou-se participar, pois Spock não tinha função efetiva na trama), mas a obra de Leonard Nimoy não encerrou-se por aí. Além de participação em alguns seriados e de sua carreira fotográfica, podemos conferir o retorno do ator, de forma graciosa e emocionante, ao papel que marcou sua vida no novo Star Trek, de J.J. Abrams. Como um bom roteiro sempre foi pré-requisito para a participação de Leonard Nimoy em algum projeto, eu sabia que o filme de Abrams não ia decepcionar, e eu estava certo (como você pode ler aqui).

Com seu peculiar sendo de humor e todo o saudosismo que um ótimo livro pode transmitir quando está na última página, Eu Sou Spock se despede com o caso verídico do engano mais certeiro que alguém já cometeu ao trocar os nomes de uma celebridade.

“- Claro que sei quem você é. É o Sr. Leonard Spock”.

***

Dica de Livro:

Eu Sou Spock

Autor: Leonard Nimoy
Pág: 290
Editora: Mercuryo
Ano: 1997

Ao contrário de seu capitão, Nimoy não precisou de um co-autor para reunir os predicados de um livro informativo, curioso e muito bem escrito. A leitura flui e cativa, tanto para Trekkies quanto para pessoas... normais.=P

Nenhum comentário: