Nesta última sexta-feira, estreou o longa-metragem Star Trek, 11º filme da franquia criada por Gene Roddenberry na década de 60, cuja direção ficou a cargo do talentoso e inventivo J. J. Abrams (responsável por séries de sucesso como Alias e Lost, além de diretor do excelente Cloverfield e do honesto Missão Impossível 3), que tinha a missão ingrata de ressucitar um ícone da cultura pop praticamente morto nas telas, mas sem ferir o brio do apaixonado e exigente povo trekkie (os fãs de carteirinha da série).
Para se ter idéia do abacaxi que Abrams abraçou, a franquia não ganhava um filme decente desde 1996 (o último longa tragável foi Star Trek: First Contact, com os personagens da Nova Geração), amargando bomba após bomba (leia-se Star Trek: Insurrection e Nêmesis) e culminando com uma estiagem, com cara de enterro, desde 2002. Além disso, a proposta era fazer uma releitura da Série Original, com novo elenco, novas situações, novo começo; o problema é que a tripulação comandada pelo Capitão Kirk é a mais popular e querida dos fãs, e pensar em novos atores nesses papéis era quase como que trocar Harrison Ford por Tom Selleck (com bigode e tudo) em Indiana Jones.
Pra coroar a dúvida, Abrams confessou que não era um fã da série.
Bom, neste sábado pude conferir o resultado desta espera, e tive certos problemas para começar a escrever esta crítica de Star Trek, até que cheguei a conclusão de que a única palavra que pode definir precisamente este novo filme é o título deste texto. Com o auxílio inestimável dos roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci, J. J. Abrams conseguiu o impossível: entregou um filme fiel à mitologia trekker e, mesmo assim, direcionado para abocanhar de vez o grande público (que desconhece a série e, por vezes, até a detesta por causa disso). E um filme bom. Não, muito bom. Desculpem, errei: EXCELENTE é o termo certo aqui.
É muito complicado de se dar uma sinopse sem entregar fatos importantes da trama, mas acho que é importante dizer, principalmente aos trekkies, que não se trata de um reboot. Quer dizer, na verdade se trata, mas a cronologia de tudo que se passou anteriormente nas outras séries e filmes é sumariamente obedecida e mais: CONTINUADA. É um recomeço, mas é uma continuação, numa sacada absolutamente genial iniciada nas HQs Star Trek: Countdown, que serviram de prequel para este filme. Aos que não leram as revistas, não se preocupem: Kurtzman e Orci explicam no filme (de forma inegavelmente competente, simples e completa) como a ameaça do vilão Nero (um romulano tinhoso que quer a cabeça da Federação) surgiu, e conseguem fazer o link necessário para legitimar este novo começo.
Tendo isso e após uma cena inicial de fazer qualquer um engolir o choro, temos os primórdios da história de James T. Kirk, um jovem encrenqueiro de Iowa que é desafiado à fazer parte da Frota Estelar (uma armada interplanetária de exploração e auxílio), ao passo que, no distante planeta Vulcano, vemos a infância problemática de Spock, que carrega o fardo de ser um híbrido de pai vulcano e mãe humana e sofre certo preconceito por isso.
U.S.S. Enterprise
Falando nos atores, há de se admitir que Chris Pine e Zachary Quinto (Kirk e Spock, respectivamente), se encaixam como uma luva em suas novas personas. Enquanto o matreiro e mulherengo Kirk segue cativando o público, cena após cena, com suas peripécias e ousadia (a cena na qual ele burla o famoso teste Kobayashi Maru, é excelente), Spock transmite aquela dualidade inerente à sua condição de meio-vulcano, contendo suas emoções, mas aliando certa revolta na interpretação (visível no trabalho ótimo de Quinto, que ta mbém está a cara do Nimoy). E já que entrei no assunto, a presença do próprio Leonard Nimoy como o velho Spock não é apenas uma homenagem, mas parte imprescindível da solução do grande mal que assola a Federação. Para quem não conhece a franquia, tal participação vai soar bacana e emocionante. Para quem conhece, as cenas com o velho vulcano são TODAS de arrepiar.Embora o pilar da trama seja os caminhos que levam esses dois a se conhecerem e fazerem história, Abrams e seus asseclas mostram de forma inteligente e cativante a cadeia de eventos que resulta no anexo de cada tripulante clássico na recém construída nave estelar Enterprise (um ESPETÁCULO de nave: a cena na qual os cadetes vêem a Enterprise pela primeira vez através de uma janelinha, arranca um “wow” da galera). E, acertadamente, o Diretor optou por dar uma ênfase crucial para cada um deles: o estressado Dr. McCoy (interpretado por Karl Urban, que está A CARA do finado Kelley, com seus olhares arregalados e seu mau-humor), o prestativo Sulu (que protagoniza uma cena de ação e pancadaria ao lado de Kirk), o milagreiro Engenheiro Scott (Simon Pegg, que se torna um alívio cômico muito bacana), o novato Checov (com um sotaque impagável) e, provavelmente a que recebeu maiores modificações do elenco “coadjuvante”, a Oficial de Comunicações Uhura (a da série dificilmente servia para algo que não fosse embelezar o ambiente). E estão todos lá, dando duro em uma nave novinha em folha, para livrar o universo da Narada, uma gigantesca nave comandada pelo vingativo romulano acima citado (Eric Bana, possivelmente o elo mais fraco do elenco).
É claro que desfilam pela tela inúmeras referências aos trekkies. De citações ao beagle do Capitão Archer, à origem do famoso apelido do Dr. McCoy, entre muitas outras coisas. Obviamente, quem conhece a mitologia se diverte muito mais com as peculiaridades, tanto nas personalidades e nos diálogos, quanto nos objetos (os phasers mudando de modo “tonteio” para “letal”) e na própria nave. Ponto também para a Direção de Arte, que nos apresenta uma ponte de comando moderna, luxuosa, mas sem desrespeitar o aspecto de submarino que a ponte da Série Original possuía.
Os efeitos visuais, ah, os efeitos visuais...que trekkie nunca desejou ver a Enterprise entrando pra valer em uma briga (com direito a sair de velocidade de dobra no meio de um tiroteio e tudo)? As cenas de batalha e de ação fazem o público grudar na poltrona, e constituem imagens que, aliadas à sirene do alerta vermelho da nave, chegam a assustar os mais desavisados. Tal aposta na ação anabolizada poderia ser uma faca de dois gumes se tivesse sido feita de forma desnecessária (como naqueles filmes do Mich ael Bay), mas aqui não: tudo é justificado e de uma beleza e grandeza que apenas denotam o que está em jogo, tudo pontuado pela empolgante trilha de Michael Giacchino, que rearanjou a trilha clássica de Alexandre Courage e nos entregou uma música contundente, poderosa (aos mais aficcionados vai um aviso: a trilha original dá o ar de sua graça nos créditos finais, pouco depois de um famoso OFF ser proferido).=)
Ficam os parabéns á J. J. Abrams e equipe: Star Trek superou expectativas de tal forma, que arregimenta, a cada projeção, mais e mais novos fãs e interessados por este universo tão incrível e plural. Se eu desejar “Vida Longa e Própera” para a franquia, vou cair no lugar comum de todos os outros críticos (e eu digo TODOS, pois não li nenhum ainda que tenha achado o filme abaixo de “ótimo”)...
...então, me resumo a separar os dedos numa legítima saudação vulcana e dizer “Boa Sorte, Star Trek.”
***
Dica de filme:
Star Trek
Diretor: J. J. Abrams
Elenco: Chris Pine (Kirk), Zachary Quinto (Spock), Leonard Nimoy (Velho Spock), Nero (Eric Bana), Karl Urban (Dr. McCoy), Zoe Saldana (Uhura), Simon Pegg (Scott), John Cho (Sulu), Anton Yelchin (Checov), Capitão Pike (Bruce Greenwood), Ben Cross (Sarek), Winona Ryder (Amanda Grayson)
Duração: 126 minutos
Gênero: Ficção Científica
Ano: 2009
O filme do ano.
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