terça-feira, 2 de junho de 2009

Memórias de um Capitão.

JustificarAproveitando um pouco a renovada Onda Trekkie (ou Trekker), um colega de trabalho me disponibilizou, há umas duas semanas atrás, o livro Jornada nas Estrelas: Memórias, escrito em 1993 pelo ator William Shatner (e co-escrito por Chris Kreski). O livro tinha pretensões de ser uma espécie de “diário definitivo” dos bastidores de Star Trek: The Original Series, narrado pelo próprio interprete do Capitão Kirk que, segundo nota de capa, tinha uma visão privilegiada de toda a função que foi colocar Star Trek na bitolada TV de 1966, e mantê-la no ar por três temporadas.

Se este é mesmo o diário definitivo de como o fenômeno trekkie foi criado, eu realmente não sei (não li outros impressos que também tomam para si esta função, mas sei que existem), porém, é inegável que Shatner estava mesmo em uma posição apropriada para a coleta de dados, e a gama de informações fascinantes que o livro traz, sob a ótica fanfarrona e irreverente do ator, não me deixa mentir.

As duas primeiras páginas soam como uma tentativa de Shatner em colocar sua veia autoral no papel: com literatura mediana (algo no estilo “como escritor, ele é um bom ator”), o eterno Capitão Kirk narra suas primeiras ações de um dia de trabalho em uma manhã de 93. Seus pensamentos, no entando, se arremessam para um evento anterior, no qual ele e o restante do elenco da série original deixaram a marca de suas mãos no Moon Theater. Informações sobre como George Takei (Sr. Sulu) parecia ter problemas nos dedos de tanto cumprimentar o povo com o famoso cumprimento vulcano, ou de como DeForest Kelley (Dr. McCoy) errou o próprio nome ao escrevê-lo no cimento, eram apenas pequenas curiosidades que serviram de gancho para Shatner relembrar o início desta longa e profícua viagem, na distante década de 60.

Após os acessos “literários” (que resume-se a 5 páginas, no máximo), o ator nos presenteia com inúmeras informações de bastidores, tanto técnicas, quanto curiosas, embasadas em depoimentos de pessoas próximas à produção, equipe e elenco de Star Trek. Shatner conta, por exemplo, como Gene Roddenberry (o criador da série) entrou em um bar, vestido de policial rodoviário, com um roteiro embaixo do braço e, literalmente, intimou um famoso agente hollywoodiano a ler seus rabiscos. Toda a luta de Roddenberry para vender seu programa de ficção científica, os dois pilotos, as loucuras exigidas pela NBC, as condições precárias dos Estúdios Desilu (e as soluções mais que engenhosas dos produtores), bem como as relações interpessoais entre os atores e a equipe, são apenas uma parcela das muitas pérolas que William Shatner conta, intercalando com fotos (e alguns comentários engraçados nos créditos das mesmas) e desenhos de cenários (cortesia do Diretor de Arte Matt Jefferies). Além disso, comentários e curiosidades relativos a vários episódios são contados e indicados para uma análise posterior, quando o leitor quiser rever o tal episódio (como o olhar de terror real de Kirk em The Naked Time, quando George Takei, fora de controle, investe contra Shatner munido de um florete).

Shatner descreve também algumas peculiaridades de sua relação com seu colega de cena e amigo Leonard Nimoy, bem como a relação de ambos com as alegrias e agruras do programa. Os memorandos polidos e ácidos de Nimoy para seus produtores, implorando para que seu personagem (Spock) fosse respeitado pelos roteiros ruins da 3ª Temporada, são transcritos com toda a sua sutileza. Os trotes que Shatner dava no amigo, bem como as famosas brincadeiras de Roddenberry com todo mundo (nem o alfaiate chato da esquina escapava) também são narradas, conferindo ao livro um clima saudosista e familiar (essa palavra é usada inúmeras vezes por Shatner para descrever a relação que todos os envolvidos no programa tinham entre si).

Curioso também que o ator/autor leva a narrativa de um jeito brincalhão e, muitas vezes, egocentrista (conforme sua própria fama de “estrela”), mas de uma forma claramente chacotesca consigo mesmo (como na passagem onde diz que o Capitão Kirk foi criado para ser um homem quase perfeito, atuado por um homem que ERA perfeito). As brincadeiras que faz acerca do personagem X ator são mais que bem vindas, e mostram um William Shatner que visivelmente amadureceu de um galã e astro de ficção científica para alguém que consegue olhar além de seu próprio umbigo.

Esta característica de estrelato é admitida pelo próprio Shatner ao contar que, em dado momento, o sucesso estrondoso de Spock e a visibilidade que Nimoy havia atingido a partir do 6º mês de programa o incomodava...e muito. Tanto que chegou a ir falar com Roddenberry sobre o assunto, requisitando algumas modificações para que o amigo tivesse menos tempo em tela e coisas do gênero. É claro que Gene deu uma resposta amável, mas a altura, e Shatner voltou ao programa com o rabo entre as pernas, percebendo o quanto soou infantil. Este episódio aliado à mea-culpa que faz com outras pessoas do elenco no final do livro (onde entrevista cada um e eles lhe dizem, cara à cara, por que o desprezam como pessoa e profissional), não deixam dúvidas de que este livro, mais do que um valioso registro documental, foi uma forma que o ator encontrou de enfrentar seus fantasmas. Se foi jogadinha de marketing ou arrependimento real, eu ainda não sei, mas admito que, se já simpatizava com William Shatner e considerava o Capitão Kirk como melhor personagem da série, este livro consolidou este status.

Enfim, além de leitura obrigatória para quem curte a Mitologia Trekkie, Jornada nas Estrelas: Memórias é também um livro interessantíssimo para quem trabalha com produções de audiovisual (como eu) e constata como esse pessoal driblava as adversidades (muitas vezes usando táticas que hoje adotamos no cinema de guerrilha). Para os menos informados, é um livro que conta, em linguagem muito simples e de forma bem humana, uma história de trabalho árduo e familiar, com problemas e resoluções, alegrias e tristezas. Não é um épico literário, mas é uma excelente leitura de entertenimento e de entendimento do mito Star Trek.

***

Dica de Livro:
Jornada nas Estrelas: Memórias
2ª Edição
Autor: William Shatner
Co-Autor: Chris Kreski
Pág: 350
Editora: Nova Fronteira
Ano: 1995

Próxima parada: Eu Sou Spock.

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