quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 7 – Negócios Escusos.

...a vizinhança na Estação 18 não é muito diferente da do resto da cidade. Moradores de rua, bêbados, traficantes de créditos, robôs azulzinhos. Não é raro algum espírito de porco estacionar seu carro voador em cima de alguma das poucas árvores que restaram no meu bairro. Jogo a embalagem do Hall’s à esmo e logo uma lixeira se mexe. Provavelmente é o maior diferencial da 18 para os outros bairros. Aqui, a limpeza pública é realmente efetiva. A pequena latinha desce de seu pedestal e aciona uma mini-vassoura e uma pá, jogando o papel em seu interior. Antes dela se fechar, dou uma olhada no que tem dentro. Se as pessoas tivessem noção, se surpreenderiam com o que se encontra no lixo nos dias de hoje. Duas retinas. Um molho de chaves. Três fotos de um casal apaixonado dos anos 90. Um 38 velho. O truque do Hall’s sempre funciona.

- Ainda catando lixo pra sobreviver?

Uma voz familiar, mas grave. Viro rapidamente, já apontando o 38 para o sujeito gigante protegido pelas sombras. Por onde anda um globo de luz quando se precisa dele?

- Está descarregado.

Pressiono o gatilho. O berro cospe fogo a centímetros do estranho, estourando uma haste de cerca elétrica. Ele se encolhe apavorado.

- Putamerda, Édnei. Desde quando tu atira desse jeito?

- Desde o tempo em que eu te ganhava no Virtual Cop.

Otto Nema sai das sombras. Fora por seu rosto liso e a voz, ele está irreconhecível. Uma cabeleira loura e vasta substitui seu outrora cabelo micoco. Embora envergue um sobretudo de couro, nota-se que está em ótima forma. Não o via assim desde Floripa. Aliás, não o via há uns 15 anos. Como um homem bem atualizado, recebo informes sobre suas atividades ilegais envolvendo fraudes bancárias e transporte de imigrantes. Este sim tem uma ficha memorável.

- Não devia andar com esse cabelo na rua, Otto.

- Está tão ruim assim?

- Tu parece o Thor.

- E isso não é bom?

As fechaduras do meu prédio são à moda antiga. Coisa de paranóico. Ninguém vai querer decepar seu polegar se ver chaves no seu bolso. Além disso, pode-se engoli-las num momento de aperto. Eu já fiz isso duas vezes. Giro a chave. Otto, logo atrás, olha para todos os lados. Deve estar esperando alguém pular das escadas. Os bolsos dele também devem estar cheios de chaves.

- Não repare a bagunça.

Entramos no meu apê. Ah, saudade. Fazia duas semanas que não vinha pra cá. Meu velho micro no cantinho de sempre. Um Godzilla de pelúcia mais velho que andar pra frente ao seu lado. RVs espalhados como se fazia com os antigos livros e DVDs. Embalagens de pizzas por tudo. Otto examina algumas fotos antigas dos meus filhos estacionadas num criado-mudo. Deixa cair um dos porta-retratos, que se espatifa no chão em mil pedacinhos.

- Além de destruir minha casa, o que tu queres?

- Foi mal, cara. Nossa, tu tá um caco.

- Tá por me xingar então.

Otto Nema encolhe os ombros. Não está dando nenhuma dentro, mas o perdôo por dois motivos:

1º – Ele já foi um grande amigo;
2º – Ele é um dos homens mais letais do país.

O traficante senta no meu diminuto sofá e tenta cruzar as pernas, sem sucesso. Olha para o vazio, com a mão no RCP 90 grudado em sua cintura. Definitivamente, sabe como deixar um sujeito nervoso. Quando já estou para borrar as calças, ele resolve falar:

- Preciso da tua ajuda.

Pego a cadeira giratória e me ponho à escutá-lo. Ainda estou com o 38 na mão. Só tinha aquela bala que usei antes, mas acho que ele não sabe. Blefe, pra variar.

- Continua.

- Tu lembra do Vovô?

Nossa, ele desencavou essa. O Vovô era um carro que usávamos, quando moleques, para fazer nossas indiadas. Na maior parte das vezes, terminávamos a noite empurrando-o. O veículo é tão antigo que nem lembro da cor dele. Otto começa a contar a fantástica história de seu carro de estimação e de como ele parou nas mãos de um mercador de jóias que eu conheço.

- Ah, não. O Holandês Voador não.

- Pois é. O Vovô tá com ele e preciso pegá-lo de volta.

- Bah, Lúcio. Me pegou de jeito agora.

Otto não gosta muito de escutar seu nome de batismo, mas fica quieto. Eu e minha mania de chamar as pessoas por seu nome real...

- Tu é o único que consegue negociar com aquele maluco e continuar vivo. Preciso de ti.

- Condena aquela joça. Tá vendo essa cicatriz? Precisei achar uma banheira e gelo às duas da manhã pra sobreviver.

Levanto a blusa e mostro a avenida que o Holandês Voador me abriu no flanco direito. Otto parece não se importar. O Vovô realmente vale algo pra ele e nada do que eu argumentar vai dissuadí-lo desta idéia brilhante de ter o veículo de volta. Terei de usar isso ao meu favor.

- Eu te ajudo. Mas vamos ter de trocar favores. Está vendo esta marca aqui no meu pescoço?

Conto a triste história da minha vida e ele quase tem um colapso quando cito o nome do Filipe Ferreira. É claro que alguém como Otto Nema teria uns trinta contatos de contrabandistas de cerveja. A bebida pelo Vovô. Uma troca justa.

Abro a mesinha no meio da sala e estendo o mapa de Porto Alegre, datado de 2023. Ganhei numa rifa, junto com a geladeira. Tu nunca sabe quando vai precisar de uma geladeira e de um mapa, certo? A loja do Holandês fica na Azenha. Próximo daqui. Mas com certeza o Vovô não está lá. Deve estar num depósito secreto que o maníaco chama de “Casulo” e que ninguém sabe onde fica. Na verdade, alguns duvidam da existência do lugar, como se fosse uma Atlântida. Assim como eu, Otto tem um deadline para pegar o carro de volta, antes do Holandês incinerá-lo e usar as partes derretidas para fabricar jóias sintéticas ou implantes em seu próprio corpo. Chegamos a conclusão de que precisamos invadir a loja do Holandês Voador e pegar a informação sobre o Casulo na marra. Não gosto muito da idéia, mas Otto garante que consegue me colocar na frente do Holandês sem grandes riscos de vida. Eu só preciso convencer o maluco a nos dar o Vovô, antes que ele resolva explodir o lugar com todo mundo dentro. Dizem que sua loja está na quarta reforma e que seus órgãos vitais já foram trocados 12 vezes.

Olha as roubadas em que me meto...

Deixo Otto entretido com o vídeo-game enquanto tomo um banho. Ele ficou meio desolado por ser um Play 15, mas não deu dois segundos para colocar um GTA Saturno no aparelho e sair espancando o controle. Certos hábitos nunca se perdem. Quando saio do banheiro, Otto já havia colocado mil manhas no jogo e descoberto outras trocentas fases secretas. Vou para o quarto e verifico os apetrechos necessários:

Palm e Casher à prova d’água;
Detector de Radiação e Explosivos;
Dois bastões de comida em pílulas;
Colete à prova de projéteis;
Um passaporte molhado (tenho que colocá-lo atrás da geladeira);
Duas retinas em bom estado;
Três fotos de um casal apaixonado dos anos 90;
Dois tabletes de Hall’s preto;
Revolver 38 sem balas;
Soco inglês;
Roupas limpas, mas o casaco de sempre.

Sou um novo homem quando saio do quarto. Otto me observa desconfiado e diz que algo está faltando. Remexe em sua mochila e me joga um desintegrador Cougar 15 carregado.

- Pode jogar fora esse revolver sem balas.

- Pensei que tu ia me colocar na frente do Holandês em segurança.

- Ei, não se preocupe...

Otto Nema me dá três tapinhas nas costas e completa.

- Esta arma não é nuclear.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Pixações...

"Você come eucalípto?"

Pixação na fachada do Diretório Municipal do PMDB, em Porto Alegre.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Mensagens sublimes em lugares estranhos...

"A preguiça é inimiga da vitória.
O fraco não tem espaço
e o covarde morre sem tentar."

Porta de banheiro da Assembléia Legislativa de Porto Alegre

sábado, 21 de junho de 2008

O Futuro é Agora - Parte 6 - 2010.

...depois de uma dolorosa sessão de detetização, os oficiais da lei nos dão cobertores, chá e biscoitos. O Basi se atraca e eu fico feliz de ver onde são gastos os impostos e mais feliz ainda de ser um sonegador. Quando verificam nossas identidades, a hospitalidade acaba. O Basi com ficha suja por pequenos furtos e eu com pena de morte por trafico de cerveja. Os cinco tripulantes se afastam como se eu fosse radiativo.

Talvez eu seja. Um turbilhão de lembranças me passam pela cabeça. Uma época em que isso tudo era uma loucura de algum filme de cinema fantástico. Onde beber uma cerveja era algo tranquilo e arrancar o olho de uma garçonete era uma desgraça. Mas tudo mudou. Flashs me atingem como agulhas luminosas nos recantos da mente. Fazia tempo que eu não tinha dessas dores de cabeça. Como se o inferno todo resolvesse arder no meu crânio.

06 de Maio de 2010. Pessoas caindo. Uma peste bíblica fazendo todo mundo no planeta perder alguém. Os jornais falavam em tempestade solar. As bocas pequenas falavam em lúpulo e cevada contaminados. No momento não importou muito, pois a chamada Gripe de 2010 chegou por terra, ar e mar e abateu como gado quase 2/3 da população mundial.

12 de Junho de 2010. Entra em vigor a Lei Allan Winston. Embora o restante da população fosse imune ao vírus pelo ar, as autoridades adotaram medidas absurdas para conter a ameaça. Execuções. Cerceamentos. Execuções de novo. Quarentenas. Execuções mais uma vez. Nem preciso dizer o quanto as coisas ficaram complicadas depois disso. Se o Governo Americano já não era exatamente querido, desta vez era odiado. Estragou o Dia dos Namorados de todo mundo.

23 de Setembro de 2010. Instituída a Lei Seca para Cervejas e Outros Fermentados. Precisavam de um bode expiatório, e como tempestades solares ainda não podem ser contidas, se contentaram em penalizar qualquer coisa que contivesse lúpulo e cevada. Acho que teve gente que chorou por sete dias e sete noites. Eu fui um.

02 de Novembro de 2010. Data do primeiro atentado à bomba no Centro de Resistência de Frankfurt. Toda esta pressão acabou por despertar a insanidade dos sobreviventes, que transformaram suas fantasias e perversões em realidade. Uma série de atentados no mundo todo teve início. Virou baderna. Roubos. Saques. Assassinatos. Tudo em massa. Com tanta coisa para consertar e corpos para enterrar, os mantenedores da lei acabaram por tentar impedir os elefantes e deixar as formigas passarem. Constituições foram reescritas. Leis especiais foram criadas. Não havia contingente para impedir pequenos roubos ou agressões. Se concentravam nos crimes exponenciais. Genocídios, destruição em larga escala ou qualquer coisa que pudesse dar margem para isso. Admito que essa vista grossa já me salvou de algumas enrascadas. Digamos que nunca fui um elemento fácil. Acho que ninguém mais foi, depois de 2010.

É. Aquele foi realmente um ano de merda.

Quando minha dor de cabeça me dá um desconto e meus lábios páram de tremer, pergunto se há um Juiz de Rua entre eles. Um piá que não deve ter mais de vinte anos se manifesta. Dei sorte de pegar um novato. Sempre colocam os recém formados nos piores locais de trabalho. Neste caso, o meteram numa equipe de ronda permanente no Rio Guaíba. Não consigo pensar em nada mais deprimente que isso para um Juiz. Ele se aproxima devagar e me pergunta o que quero. Pelo menos tem colhões. Eu não quero nada. Seguro o Basi pelo colarinho molhado e faço os biscoitos voarem com três tapas no rosto do infeliz.

- O Basi aqui tem uma confissão a fazer.

O Juiz mal ouve a palavra “confissão” e já coloca o detector de mentiras no Basi. Ao contrário de sua fama de “língua frouxa”, o Basi silencia. Quebro o braço dele e tudo se ilumina. Ele fala tudo que pode. Põe em pratos limpos. Explica que deu o testemunho para a PN para se livrar de uma dívida de jogo que tinha comigo. Que forjou os fardos de cerveja com latas falsas. E que não fazia a menor idéia de que tráfico de fermentados dava execução. O display do detector dá sinal verde para tudo.

- Era só uma sacanagem. – Diz o Basi, segurando o braço mole.

Arranco os dentes do Basi num murro e ajeito meu casaco encharcado. Por causa desse imbecil, quase viro comida de cachorro. Algemam o Basi e me pedem desculpas pelo comportamento. Não vou guardar rancor por quase terem borrado as calças achando que eu era um terrorista. Só lamento não ter uma câmera pra filmar isso e ganhar uma fortuna no YouTube.

O hovercraft me deixa no cais. O Basi ficou com eles para “dar explicações do seu ato imponderado”. Que fanfarrão esse Juiz. Quase sinto pena do pobre Basi. Acho que vai pegar uns anos de cana ou duas sessões de videotortura. Mas podia ser pior.

Ele podia estar com uma bomba no pescoço...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O Futuro é Agora - Parte 5 - Voar é para os Pássaros.

...se o Basi estivesse acordado, estaria regurgitando. Ele odeia altura. E eu odeio ter de pagar um mutante pra carregá-lo no ombro enquanto escalamos a parte de fora da Disco Inferno. Mas não adianta. Quando cheguei aqui, vi hélices no alto do prédio. Um helicóptero. Bolei meu plano: vou roubar essa antiguidade e transpor as muralhas do Buraco antes que meu prazo expire. Isso se eu conseguir escalar até o fim. O mutante já está lá em cima faz tempo, fazendo sinal de “que saco” e lamentando que eu não tenha pago pra ele me levar também. Estou enferrujado. Escalada nunca foi meu forte, mas arranho bem. Se eu tivesse ventosas nos dedos como ele, também já estaria no topo do prédio.

Chego esbaforido, mas vivo. O bicho faz sinal de “quero grana”. Parece um adepto de libras. Ele me dá um bilhete com seu número de crédito. Pego meu casher e digito o tal número. Abro a pálpebra chapada do Basi e coloco o casher em seu olho. O bip indica que o Basi tem algum trocado pra pagar esse miserável. Ótimo. Detestaria ter de brigar com um mutante de dois metros e meio de altura no alto de um prédio às quatro da manhã. Mostro o visor com a transferência da grana para o bicho e este dá um rugido. Bate na própria cabeça e corre para a beirada do prédio, de onde executa um belo salto mortal.

Humpf, mutantes...

Eu não estava errado. Um helicóptero-esquilo novinho em folha. Se ainda existissem museus, eles dariam uma nota por essa coisa. Coloco o Basi dentro do treco. Me posiciono no banco principal. Fones na cabeça e tenho uma surpresa ao dar a partida: um par de dados vermelhos pende por uma corrente na alavanca principal. É quando percebo que a nave não é do Drako.

(através do rádio)

- Édnei, seu filho da puta. O que tá fazendo dentro do meu helicóptero?

- Se não é o falecido Filipe Ferreira...

- Desce daí agora, porra.

- Acho que tu me deve uma explicação.

- Tu rouba meu helicóptero e eu te devo explicação??? Bebeu água do parto, então.

-.Pensei que tu tivesse morrido na Gripe. Agora descubro que tu é o maior cafetão da cidade.

- Estou falando sério. Desce daí. Eles vão te abater.

- Lamento. Já estou no ar.

Observo o movimento lá embaixo e descubro o que ele quis dizer com “eles vão te abater”. Dois pontinhos carregam uma caixa na correria. Parece um daqueles filmes sobre o Afeganistão, onde um bando de talibãs correm sorrateiramente e armam uma bazuca para tentar parar o mocinho. Dito e feito. Apontam a arma e atiram. Faço uma manobra e o míssil passa longe. Dou graças a Crom por não ser um teleguiado e sigo desviando das explosões. Ouço um grito de menina. O Basi acordou.

- Nós vamos morrer. Nós vamos morrer.

- Cala a boca, Basi. Tá tirando minha concentração.

- Voar é para os pássaros, Pedroso.

Os estilhaços de um outdoor atingido por engano desestabilizam o esquilo voador. Perco o controle e começamos a girar. Avisto a muralha e viro tudo que dá. No meio do caos e dos gritos do Basi, ouço tiros e o barulho de metal baleado. Os snipers das guaritas estão fazendo caça ao pato e só não acertam nas nossas cabeças porque giramos rápido demais. Nossa sorte está diminuindo drasticamente. Os gritos do Filipe no rádio não ajudam. Puxo o manche pra cima e damos pinotes. O Basi vomita tudo que pode, mas deixamos de ser alvos fáceis. Ficamos apenas com o total descontrole do helicóptero, que cambaleia no ar e se afasta dos portões do bairro para ganhar a liberdade sobre a parte sudeste do muro.

Saímos do Buraco.

Quando penso que vou assumir o controle e dar uma sonora gargalhada por ter saído vivo daquele lugar, acertamos em cheio um Delta 350 bordô com placa de Viamão. Malditos carros voadores. Só consigo ouvir um trovão e a voz do Basi gritando entre as chamas. Mais nada. Nós e o que sobrou do Helicóptero somos projetados como um cometa pela explosão. Me deixo levar pela lei da física e ela é fria, molhada e tem gosto de urina. Flutuo por alguns minutos, até que ouço os berros do Basi sendo interrompidos por golfadas.

- Socorro. Socorro. Eu não sei nadar.

Fomos parar no Guaibão. Sorte nossa, azar do meu casaco. Nado até onde o Basi está e o seguro firme. Devia deixar este filho da mãe beber o Guaíba todo, mas preciso dele. Ficamos como saquinhos de chá esperando pela hipotemia, até que fortes luzes batem em nossos rostos. Um megafone nos pergunta se há alguém na água. Começamos a gritar. Vejo o letreiro na lateral do imenso hovercraft e me permito uma boa risada.

Nunca pensei que fosse ficar tão feliz de ver a Polícia...

terça-feira, 17 de junho de 2008

Azione...

Há quase um mês, aportou pelas telas Youtubianas o clássico internético instantâneo Italian Spiderman, que mostra as aventuras do rechonchudo herói italiano em ares de Anos 60. Além de um bigodinho cachorro e de um trabuco com o qual pipoca os bandidos sem dó nem piedade, Italian Spiderman se presta a enfrentar vilões que mais parecem refugos de seriados japoneses. Para acessar ao trailer da série, basta clicar aqui.

Nos vídeos relacionados, tu podes encontrar os episódios devidamente legendados em inglês.

E da me Macchiato...

Numa mesa de bar...

Masoquista:

- Me bate! Me bate!

Sádico:

- Não.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Hulk Esmaga!

Estreou nesta sexta passada a mais nova versão cinematográfica de Hulk, que prometia renovar o herói e livrá-lo do estígma deixado pelo diretor Ang Lee no último filme, que transformara o golias verde em uma criatura verde-pixel estrita e exclusivamente amargurada.

O diretor Louis Leterrier teve mais sorte que juízo ao pegar uma equipe de produtores e astros de primeira linha e um roteiro enxuto e cheio de referências de HQ que resultaram na agradável surpresa que tive neste fim de semana. O Hulk chegou e desta vez, chegou pra ficar.

O cientista David Bruce Banner (Edward Norton) vive nos cafundós da Favela da Rocinha trabalhando numa fábrica de refrescos enquanto faz pesquisas para se livrar da maldição de se transformar em um monstro verde de força incalculável toda vez que fica com raiva. Após meses sem “incidentes”, o General Ross (William Hurt) resurge no encalço de Banner, no intuito de utilizar a tecnologia gama para fins bélicos. Neste primeiro momento, vale citar algumas curiosidades que não se vê no cinemão americano com frequência quando a história se passa no Brasil, como brasileiros falando português de verdade (e não espanhol), ou ninguém usando cocar. Algumas facetas da Rocinha são mostradas de uma forma interessante e as tomadas aéreas feitas da favela pelo diretor assustam pelo tamanho exponencial do lugar. Quase não se acredita que esta “cidade” que é a Rocinha de fato existe (e não é um efeito visual).

É claro que a ação logo desloca-se para os EUA, onde Banner deve se virar pra descobrir uma cura e driblar a máquina militar que o persegue sem parar. Além do General Ross, o Exército conta com o obstinado agente Emil Blonsky (Tim Roth), que possui interesses obscuros no Hulk, para perseguir o cientista, dando início a um quebra-pau generalizado entre o herói e toda sorte de veículos militares em plena luz do dia. Não há quem não se arrepie toda vez que o Hulk surge na tela.

Além das aparições do Hulk simplesmente pagarem o ingresso, destaca-se também a abertura do filme, que faz um apanhado de toda a história da origem do herói, com manchetes de jornais, noticiários, insigths de cenas, com direito a inúmeras referências às HQs como notícias sobre as Indústrias Stark ou sobre a SHIELD e Nick Fury.

E falando em referências, pode-se dizer que elas são 80% do filme. Stan Lee (criador do Hulk), pra variar, está lá, fazendo uma ponta maior do que de costume. Lou Ferrigno, que fazia o herói na série de TV, também está por lá. Algumas armas que o Exército usa para tentar capturar o Hulk são elementos visíveis dos quadrinhos. Betty Ross (Liv Tyler), o grande amor de Banner está lá. O vilão Emil Blonsky/Abominável é um dos inimigos mais clássicos do Hulk. O próprio visual do Hulk se mostra muito mais verossímil e melhor bem feito que a versão anterior, com trejeitos e falas (sim, este Hulk fala) características das histórias. Sem contar que este Hulk também usa um pouco mais a cabeça (na medida do possível para uma criatura sem controle) e é muito mais brutal, tal qual os quadrinhos. Poxa vida, até a palmada sônica está lá.

Todos esses predicados acabam por tornar esta versão algo muito mais aceitável e simpático ao grande público, uma vez que o Hulk sempre foi um herói direcionado para um público muito seleto. Um anti-herói, que na hora do aperto acaba salvando o dia. Na versão anterior, ele era um cientista/mosntro com problemas próprios. Era o problema e a solução. Nesta versão, ele é uma parte do problema, mas consagra-se como uma solução para um problema bem maior e bem mais destruidor. Não posso dizer mais que isso. Vá pro cinema, chapa.

É claro que se trata de cinemão e esperar algo muito cabeça seria até de mau tom. É blockbuster puro. Mas negar que os estadunidenses sabem fazer uma coisa que sabem fazer melhor que ninguém seria dar murro em ponta de faca. Assim como Homem de Ferro, O Incrível Hulk destaca-se não somente como um excelente filme de ação, mas como um link para algo maior que virá por aí.

Os fãs de HQs que aguardem...

***

Dica de Filme:

O Incrível Hulk (The Incredible Hulk)
Diretor: Louis Leterrier
Elenco: Edward Norton (David Bruce Banner/Hulk), Betty Ross (Liv Tyler), Tim Roth (Emil Blonsky/Abominável), William Hurt (General Ross)
Duração: 114 minutos
Gênero: Aventura
Ano: 2008

Hulk maior, melhor e mais bruto...e mesmo assim salvando o dia. Nunca fui um grande fã do herói, mas devo dar a mão à palmatória. Melhor que isso só dinheiro achado.

E que venham Os Vingadores...

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 4 – Disco Inferno.

...e sento em um confortável sofá de couro legítimo. Já havia estado no Buraco antes, mas é a primeira vez que entro na Disco Inferno. Um robô esquelético me pergunta se quero mais whisky. Digo que sim. Preciso de bebida pra enfrentar esta visão. Há hologramas espalhados por todo lado. Como se estivesse dentro de um caleidoscópio. Paredes se abrem e se fecham conforme as batidas de uma música que beira a Rammstein, mostrando e escondendo mil atrocidades. No teto, de cabeça para baixo, uma equipe de BDSM faz um trabalho de artesão em três empresários barrigudos. Tenho que inclinar a cabeça em 90 graus para ver isso e desviar das gotas de sangue e fluídos para que não manchem o meu casaco. No chão, um caldeirão arde em um fogareiro gigante. Consigo ver algumas mãos tentando sair do líquido fervente e sendo espetadas por tridentes habilmente manuseados por diabretes com vestidos de festa. Não sei se os chifres são mutações ou pré-requisitos para as garotas trabalharem aqui, mas admito que não precisava das línguas bifurcadas. Duas garotas se refestelam com um cavalo de verdade vestido de palhaço no canto oposto. O ar-condicionado faz um efeito primoroso no lugar, que não é nem frio, nem quente. Exaustores bem colocados afastam qualquer odor, dando à Disco Inferno um cheiro de nada.

Uma porta se abre num nível mais elevado. Através dela, vejo uma silhueta rechonchuda sentada em uma espécie de trono. Uma plataforma é acionada, trazendo o tal trono em minha direção. Tento levantar, mas descubro que estou paralisado do pescoço pra baixo. Algo na bebida, provavelmente. Passado pra trás por um pedaço de lata. Fim de carreira. O suposto rei sai das sombras e logo reconheço o velho Drako Rebello. Ou quase. Metade do sujeito é feito de cera e pinos de borracha. Na verdade, só tenho certeza que é ele por causa da sua inseparável barba mal-feita.

- Ora, ora. Estavas me devendo uma visita, Pedroso.

- Me paralisar foi sacanagem, Drako. É assim que tu recebe um velho amigo?

- Tenho que garantir a integridade da Disco. Me disseram que agora tu tens fama de destruidor de lugares.

- Está me confundindo com o Babys.

- O Babys. Me arrancou um olho com um refletor no nosso último trabalho.

- Eu lembro. Saudade do Babys.

- O que achou da casa?

- Tenho uma reclamação: devia estar tocando “Disco”, e não “Tanz Metall”.

Um escravo surge rastejando com uma bandeja equilibrada na cabeça e um copo de Bloodbelt. Drako pega a bebida, tira um berro da cintura e aponta o cano para onde repousava o copo. Ele atira. A cabeça do serviçal explode debaixo da bandeja. Se ele queria me provar que sou um pedaço de merda aqui dentro, ele conseguiu. Já consigo movimentar os dedos das mãos enquanto Drako Rebello sorve sua birita cor de barata e grita “Corta!”

- Acho que tenho um bom take, e um bom argumento. Quer me ajudar no roteiro?

- Não faço mais isso, Drako. Preciso encontrar um cara.

O cineasta bate duas palmas e umas dez pessoas surgem para remover o defunto e limpar o lugar. Parecem formigas acabando com um pote de açucar. Em um piscar de olhos, o lugar está asséptico. Preciso levá-los na minha casa qualquer hora dessas.

- Não há robô que substitua o talento.

- O nome é Basílico. Sujeito baixinho, careca...

- Excelente ator. Vou usá-lo no meu próximo projeto.

Levanto do sofá e ajeito meu casaco. Drako arregala os olhos postiços e os pinos de sua mandíbula saltam, fazendo seu carrinho cair no seu colo. É a cara de espanto mais rocambolesca que já vi. Seja lá o que tinha na bebida, não foi forte o suficiente para me manter comportado. Coloco seu queixo de volta no lugar para mostrar que venho em paz.

- Parece um boneco de ventríloco, Drako. Nunca ouviu falar em clonagem?

- Como fez isso? Tinha Tentrano suficiente pra paralisar um cavalo naquele whisky...

- Ainda bem que ando nas duas patas. Então, quanto tenho que pagar pra tu me entregar o Basi?

- Fizemos um exame de retina em ti assim que sentou no sofá e sabemos que tu não tens nem um tostão.

- Tudo bem. Não tenho dinheiro. O que preciso fazer pra tu me entregar o Basi?

Drako me pede um momento e coloca o indicador no ouvido. Faz alguns sinais de positivo com a cabeça, como se estivesse recebendo instruções de um ponto eletrônico. E está. Responde a tudo com um “Certo, Chefe!” e se volta para mim.

- Acho que alguém lá em baixo gosta de ti. O Chefe sabe que tu não tens grana, mas te libera o ator.

- Ele não é ator. Só está bêbado. Se tu tivesse nariz, teria percebido.

- Bem, ator ou não, não vai sair de graça. Vais ficar devendo um fardo de cerveja pro Ferreira.

- Ferreira...Ferreira. Ferreira? Filipe Ferreira?

A música pára. Os hologramas param. O mundo pára. Drako faz sinal para que eu fique em silêncio. Logo me dou conta de que disse algo que não devia. Filipe Ferreira. Um homem. Uma lenda. Já tinha feito história nos velhos tempos, mas todos achavam que tinha batido as botas na Gripe de 10. Acabo de saber que alguém que já foi meu melhor amigo não só está vivo como é o verdadeiro dono da Disco Inferno. Me sinto estúpido por só saber disso agora. Drako bate três palmas e tudo volta ao normal. Nunca vi alguém que goste tanto de aplaudir.

- Não fala o nome dele, animal.

- Foi mal. Sempre pensei que a Disco fosse tua.

- Vendi pro Ferreira faz 5 anos. Agora só gerencio.

- Onde ele está? Preciso falar com ele agora.

- Moscou. E não temos teletransportador aqui.

- É a segunda vez que alguém me fala de Moscou hoje.

- Ele volta de lá na semana que vem. Tens sete dias pra trazer o fardo.

- Tu falaste que sou eu?

Drako levanta do trono. Coloca uma pistola de chip no meu pescoço e injeta o mecanismo. Um timer no touch da pistola dá uma regressiva. Uma bomba. Que espetáculo.

- Ele sabe.

- Não quer me dar um tapa-olho também?

- Tens até as 3 da manhã do dia 18 pra trazer a bebida. Com ela na mão, o Ferreira desativa o chip.

Confiança é tudo nesta vida. Apertamos as mãos. Só agora noto que as pernas do Drako são de fibra e menores do que deviam. Deve ter apostado as originais e perdido. Quase dou risada quando subimos as escadas. Chegamos numa porta de metal arranhada e o gerente a abre num rangido fantasmagórico. Basi está nu, encolhido no aposento que não deve ter mais que um metro quadrado. Há cortes suturados e queimaduras em seu corpo. Tudo recente. Olho para Drako e este encolhe os ombros. Se ele faz isso com os atores, imagino o que não deve fazer com os roteiristas. Digo que preciso das roupas do Basi. Adivinha o que o gerente faz?

Bate palmas.

Saímos da Disco Inferno. Prometi ao Drako que traria minha namorada aqui quando arrumasse uma, logo depois de receber instruções para ficar dois quarteirões longe de qualquer ser vivo se acaso não conseguir chegar em tempo para desativar a bomba. Animador pacas. O Basi segue dormindo. Tive de drogá-lo e colocá-lo num daqueles carrinhos de supermercados antigos. Ele desaprovaria o que estou para fazer pra sair do Buraco antes das 24 horas findarem e do meu tempo de apelação expirar. Confiro minha lista de afazeres no Palm:

1 – Sair do Buraco;
2 – Procurar um Juíz de Rua e provar minha inocência;
3 – Surrar o Basi;
4 – Arrumar um fardo de cerveja e arriscar Pena de Morte novamente;
5 – Trazer o treco para o Ferreira e desativar a bomba.
6 – Beber a metade do fardo.

Céus, preciso de uma cerveja...e de um helicóptero.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

12/06/2008

Não nos atemos a datas.
Não nos guiemos pelos passos do passado.
O passado passou.
O futuro é incerto. Amoldável.
A gente faz ele acontecer.
Juntos?
Espero que sim.
Certas datas são estigmatizadas.
Pelo passado? Provavelmente.
Mas o passado passou. Já disse.
O que vale é o agora. O que vale é a data de hoje.
E ano que vem será a data do ano que vem.
Mas enquanto estamos hoje, na data de hoje...
Passo o dia 12 como Win Wenders:
Tão Longe, Tão Perto.
E pensando em você.
Hoje, na data de hoje, é o nosso dia
E amanhã também.
E depois, e depois...
Daqui pra sempre, todos os dias são nossos, amor.
E que pra sempre dure.
Pois somos gananciosos.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 3 – Boa Vizinhança.

...não havia me dado conta do tamanho da encrenca. A Disco Inferno é um estabelecimento onde tudo pode acontecer e não tem este nome por ser hospitaleiro. Seu dono, Drako, promove orgias snuffs e recebe prêmios em festivais por isso. Só Deus sabe o que um pé-rapado como o Basi tem com essa figura folclórica. Parece mentira. Mas a informação é tão espalhafatosa que só pode ser verdade. O cara está mesmo lá e eu vou ter de limpar minha barra me atolando fundo, pois antes de chegar na Disco, terei de entrar no lugar conhecido como “O Buraco”.

Outrora com nome de santo, O Buraco é um bairro que reune tudo que há de mais insano na face da Terra. Um Carnivale elevado na décima potência. Todo o lixo deixado pela Gripe de 10 está lá. Liberados pela imaginação. Perdoados da culpa. Perto desse antro, Sodoma e Gomorra parece nome de dupla sertaneja. Como toda boa zona de quarentena, o bairro é cercado por uma imensa muralha. Atiradores de elite incansáveis nas guaritas. O mais engraçado é que esses snipers tentam manter o que tem no Buraco lá dentro, isolando toda a porcaria no interior dos muros. Um serviço e tanto de utilidade pública.

Observo a grande porta dupla do Buraco. Uma portinhola na altura da minha cabeça se abre. Um afegão fala por ela.

- O que tu quer?

- Disco Inferno.

Ele amarra o rosto curtido e estende a mão pela abertura. Quer pagamento. Dou-lhe o implante da Bete. Os portões se abrem. Antes de entrar, recebo uma lista das coisas que não posso fazer no perímetro. A maioria dos itens é passível de morte por tiro. Um doce. Vai dar trabalho tirar o Basi daqui, mas minha cabeça no mundo de gente normal depende do que ele tem a dizer. Além disso, não tenho porque descansar. Deixo isso para os guris.

Dentro dos muros, dou quatro passos e me viro para perguntar algo ao porteiro. Uma bala zune próximo a minha orelha e destrói uma pedra atrás de mim. Desrespeitei o item 3 da lista e quase virei presunto. Devo ter pego o atirador num bom dia. Sem volta nas próximas 24 horas. É uma forma de manter o mercado do lugar vivo. Força quem entra a usufruir do Buraco por pelo menos um dia de gastos. Isso deve pagar o salário desses funcionários públicos. Me encolho nos meus ombros e sigo Buraco a dentro, em direção ao barulho de metal arranhando, explosões e gritos. Fazia anos que não entrava aqui. Nada mudou. Só as pilhas de lixo, cada vez maiores. Ratos do tamanho de gatos fogem do som dos meus passos e logo cinco mendigos saem do nada e pulam pra cima dos roedores. Dois dos desafortunados levantam segurando um rato do tamanho de suas cabeças e disputando a bóia. Um outro, mais esperto, nota minha presença passageira e vem em minha direção.

- Ei, o que tu procura?

- Nada que tu possa me dar.

- Tenho hologramas pornográficos. Créditos oculares. Passaportes. Animais exóticos...

- Odeio animais. Estou procurando um homem.

- Branco? Negro? Tenho de todas as idades...

O sujeito está vestido com jornal e pensa que pode me vender o mundo. Típico. Mostro-lhe uma foto do Basi e ele gela. Me pede pagamento adiantado. Piso no pescoço de um dos ratões que tentava fugir dos mendigos. Pego o bicho com um saco de lixo que estava próximo e ergo o embrulho com as duas mãos. Com a premissa de ter carne por dois dias, o morador de rua abre o verbo. Me dá todos os passos do Basi e garante que ele ainda está vivo e bem, dentro da Disco Inferno. De brinde, me oferece uma mulher de três seios.

- Direto do Circo de Moscou. Vai me dar o rato agora?

Entrego o embrulho. Fico feliz em saber que o Basi ainda está aqui e que não vou passar um dia nesta pocilga a troco de nada. Pior que o barulho incessante é o cheiro. Um misto de ocre com ácido. Se fosse cor, não saberia descrever. A paisagem é praticamente um entulho. Prédios mortos, com lençóis e pedaços de roupas tremulando ao vento, ao contrário dos corpos inertes jogados pela rua. Todos com marcas visíveis de cortes cirúrgicos para retirada de órgãos e implantes. Os traficantes perdem a sutileza da banheira com água fria e os desprevenidos pagam o pato. Não sou pato. Fico parado enquanto ouço passos dobrando a esquina. Me jogo num canto e começo a tossir feito um tuberculoso enquanto seis homens passam com um isopor e bisturis nas mãos. Os coletores me olham desconfiados. Quase acreditam que sou mais que um andarilho. Suas crenças em encontrar bons órgãos se evaporam quando coloco o dedo na goela e “falo com a vó”. Me chamam de “velho bêbado” e seguem seu caminho. Fico na sarjeta, mas estou vivo. Coloco um Halls preto na boca para tirar o gosto do vômito. Se minha memória não me falha, a Disco Inferno fica na velha Farrapos, depois desta curva. Já falei sobre a minha memória?

Na fachada da Disco Inferno, um enorme diabo de neon come um vinil. Parece coisa de publicitário da PUC. Abaixo do belzebu, o letreiro vermelho pisca, chamando os piores dos piores para os prazeres da carne, do aço, e de outras deformidades. Veículos sob rodas perambulam pelo local e mutantes com megafones fazem discursos apocalípticos. Há um incinerador ao lado do prédio. Animador. Definitivamente, só entra na Disco Inferno quem quer muito entrar.

Basi está aí dentro. Respiro fundo e bato na porta...

terça-feira, 10 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 2 – Harvey’s.

...certa vez, uma amiga me disse que traidores são monstros e que deviam ser executados. Não importa em que nível. Se a traição prejudica alguém, voilá. O problema é de quem se deve ou não cobrar lealdade. Um amigo. Um ente querido. Uma garota. Geralmente é uma pessoa próxima. Neste caso, não sei se poderia cobrar lealdade do Basílico.

Um bêbado conhecido no bairro para quem paguei alguns tragos em troca de informação. Talvez o Basi nem me devesse nada. Mas foi ele quem escancarou o coro e me meteu nesta enrascada. Nem sei o sobrenome do sujeito, mas vou cobrar. Não lealdade porque sei que ele não sabe sequer soletrar isso. Vou cobrar algo, apenas. Talvez seus rins, amarrados um no outro, para usar de bola.

É curioso como o hábito faz o homem. Se tu queres achar alguém, basta seguir os hábitos. O lanche preferido. A bebida preferida. A mesa preferida. Houve uma época em que se frequentava o lugar até por causa do bom atendimento, acredita? Já tive esse tipo de pretensão. Recusar um local porque a pizza demorava uma era pra chegar. Hoje, se alguém se dispõe a me atender sem chamar o Exército, já me dou por satisfeito.

No caso do Basi, a coisa é mais primitiva, pois ele bebe no Harvey’s por um único motivo: a Bete. Moça bonita do interior. Boas formas. Cabelos de fogo. Implante biônico no lugar do olho esquerdo. Diz ela que foi arrancado pelo pai por ela ter “visto demais”. Não duvido. Dizem que a tecnologia da TV não chega nos cafundós da Gromelândia, seja lá onde diabos isso fica. O Harvey’s, assim como Bete, é um lugar decadente. Fundado no lugar do antigo Jekyll, o bar funcionava como um novo polo na Cidade Baixa. Foi o primeiro a usar o chopp à jato e o último a apelar para os atendentes-robôs. O velho Chico era um adepto do clássico. Quase um João. Todos gostavam do Harvey’s até acontecer o massacre de setembro de 2015. Doze mortos foram suficientes para transformar o bar num antro de miseráveis. Gente como o Basi. Gente como eu.

Quando entro no Harvey’s, a conversa cessa. Se esse pessoal soubesse que sou bem menos fodástico do que minha fama, não estariam tremendo. Um atendente-robô jaz empilhado num canto escuro, desativado. O Chico já serve minha dose de sempre e faz o copo deslizar pelo balcão antes de eu dizer qualquer coisa. Olho torto para os gatos pingados do lugar e meto medo. A única que me esquadrinha é a Bete. Vejo o zoom do seu olho esquerdo ser ativado. Ela está analisando até minha alma, e com cara de poucos amigos. Ela já sabe o que quero. Não tenho porque ser cortês.

- Desembucha, Bete!

- Não sei de nada, Pedroso.

- Sabe e vai me dizer. Vou perguntar só uma vez: onde está o Basi?

Ela cospe na minha cara. Não é a primeira ruiva a fazer isso e não vai ser a última. Ouço gritos e lamentos quando saio do lugar com o olho biônico da Bete na mão. O Basi não estava lá, mas agora tenho um nome.

Drako Rebello, o dono da Disco Inferno.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 1 – Bichos.

...de telhado em telhado, eu fujo. Cães metálicos fungam no meu cangote. Lembro que nunca gostei de animais de estimação e permito-me um sorriso. Mais um motivo para pôr na lista. Parece que foi ontem que a TV noticiou a invenção do primeiro robô de estimação: um gato de lata. Não soltava pêlos. Não mijava nas suas roupas. Não te traía. Parecia perfeito. Bastava uma recarga elétrica de duas horas e o bicho funcionava por mais de uma semana. Como os antigos aparelhos moleculares. Ou seriam celulares? Não sei. Faz um mês que minha memória anda uma droga. Logo eu, que era famoso por lembrar de tudo. Talvez a pressão de ser um foragido esteja me afetando. Não é fácil. Sei que, se me pegam, serei fritado e o vídeo da minha execução estará na internet em menos de 30 minutos. Um problema de cada vez.

Primeiro os cachorros.
Depois o Executor.
Depois a internet.

Os cachorros. Três cães-policiais. Iguaizinhos. O mais assustador é que as patas não fazem barulho nas telhas. Ao contrário dos meus pés, que parecem tambores. Se eu não fosse treinado em superfícies inclinadas, já estaria morto. Talvez até esteja. Concluindo uma temporada num inferno onde não se pode nem beber em paz sem pegar pena de morte. Ah, bons tempos em que uma cerveja era uma cerveja. Bons tempos em que cachorros somente latiam. Estes três repetem a frase “Você está preso”, incessantemente. Como um maldito minidic riscado.

Uma clarabóia. Adoro estes prédios antigos.

Estraçalho o velho vidro da velha clarabóia do velho prédio. Caio como uma pluma no corredor desocupado. Mesmo sendo um “senhor”, não perdi o jeito. Nem o estilo. Os bichos passam batido. Dou uma respirada. Um deles volta. Me observa lá de cima com olhos vermelhos brilhantes. Tenho cinco segundos para decidir se deixo ele ativar o laser e me partir no meio ou se aguardo o velho no fim do corredor carregar a arma. Perco nas duas opções. Decido descer as escadas e torço para que o apartamento seja tão antigo que não possua tranca com impressão digital. Se tiver, terei de voltar e cortar o polegar do tio pra poder sair. Tio? Bem, eu tenho quase 50, mas ele parece ter uns 200 anos. Não viu o Dilúvio, mas pisou no barro. Ainda tem o cão, que está decidindo se ignora seus instintos implantados e pula pela clarabóia ou se espera eu colocar a cabeça pra fora para dar uma mordida nela.

Chego na porta e vejo a tranca. Tenho que voltar.

Antes da Gripe de 10, quando ainda se doava sangue, a doutora da triagem sempre se surpreendia com a minha saúde. “Parece um atleta.” Dizia ela. Mesmo levando uma vida desregrada de bebidas e noites em claro, meu metabolismo nunca me deixou na mão. Um cinquentão com fôlego de guri. Deve ser mal de família. Subo rápido as escadas. Quando chego no corredor, o móvel ao meu lado explode. O cão descarregou a primeira leva e errou por pouco. O vovô blasfema num idioma que eu desconheço e atira com um trabuco arcaico. Banco “Remo: Desarmado e Perigoso” e desvio. Com o robô não posso fazer o mesmo. O tranco arremessou o velho brutalmente para trás e me deu mais alguns segundos, mas continuo com pouco tempo para pensar. Meu tempo acaba quando o cão aterrisa no corredor, logo atrás de mim. Ignorou seus instintos caninos só para me sacanear. Quando estou para virar pra Meca e esperar que Alá corte minha cabeça, ouço algo que julgava extinto. Um miado. Meloso. Fino. Dói nos ouvidos, mas agora é música. Sim, o ancião tem um gato. Angorá. Provavelmente nunca comeu rato. O bichano decidiu dar seu passeio noturno na pior hora possível. Pulo pra cima do felino e seguro-o pelo rabo. Ele tenta me arranhar. Sem sucesso. Giro-o três vezes no ar e o jogo para o cachorro de lata. Não há como ignorar quando um gato é jogado nas suas fuças. Uma perseguição de desenho animado tem início.

Enquanto o gato voa pelos cantos tentando escapar de seu predador, o idoso se levanta. Tenta me bater com a arma e leva um murro. Fazia muito tempo que eu não batia em alguém mais velho. Acho que umas 12 horas. Mantenho meu bom-humor e decido não cortar fora o dedo do vovô. Ele talvez ainda vá precisar de um polegar opositor. Em vez disso, arrasto o infeliz pelo corredor, segurando-o pelo colarinho. Ele balbucia algo sobre eu ter “matado o Godines”, mas não lhe dou ouvidos. Suas ancas fazem barulho de vidro enquanto descemos os degraus. Algo viscoso sai de seu nariz. O gato ainda faz baderna em algum lugar, tentando sobreviver à fúria metálica. O cão repete “Você está preso” como se o felino fosse entender a ordem. Chegamos na porta e coloco a mão do velho na tranca, que dá o sinal eletrônico de abertura. Descarto o pobre diabo num canto. Fecho a porta, deixando o pandemônio animal e ganhando a rua.

Céus, preciso de uma cerveja...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Sobre o Tempo.

Houve um tempo em que as flores eram radiantes. As crianças sorridentes. Os chocolates mais gostosos e os vinhos mais encorpados. Um tempo onde inocência era sinônimo de ingenuidade. Onde ignorância era apenas não saber o porquê. Um tempo ao tempo.

Mas há o tempo e há o tempo. O tempo das coisas. Tempo de fazer as coisas. Tempo de esperar pelas coisas (não gosto muito dessa modalidade). Tempos e tempos. E todos esses tipos de tempos possuem ligação direta com as coisas. Que coisas? Não faça pergunta difícil. Todas. O tempo está em tudo o que temos. Tudo o que fazemos. Tudo é uma questão de tempo. E o tempo é uma questão do quê?

De fazer acontecer, talvez. Ele pensa assim para alguns casos. No geral, acredita que o tempo é como o frio. Não existe. Existe a falta de calor. Existe a falta de tempo. Começou a sentir isso aos 24 anos, quando abaixou-se para amarrar os cadarços e deu um mal jeito nas costas. Como um ancião. Não se levantava pois era como um formão arrebentando sua coluna. Andou curvado por meia manhã. Até que, lentamente, sua postura voltou ao normal. Mais que o tempo perdido tentando encontrar uma forma milagrosa para andar direito, lamentou que estava ficando velho. Com a velhice dos 24, descobriu a efemeridade da vida. A falta de tempo. O tempo é como linha em uma folha de caderno: passa e não há como reaproveitar. Voltar atrás. Escrever onde já está escrito. Ele bem que tentou algumas vezes. Sucesso zero.

Ele sente a perda de tempo e fica apreensivo. Se ocupa. Se mexe. Preenche espaço no tempo. Sabe que não recupera mais o tempo perdido e que tempo a perder é tudo que resta. Talvez seja por isso que a perda de tempo lhe aplique tantos fios de cabelos brancos. Coisas e pessoas que encarnam a perda de tempo lhe irritam. Mas ele mantém o sorriso. Sabe que nem todos têm essa visão regressiva ou essa urgência em viver a vida em sua plenitude. Ignorância talvez. Mas essa não seria a de “não saber o porquê”.

Com o tempo – na verdade, a falta dele – aprendeu que além de ser implacável, o tempo também é o tal remédio do qual tanto falam. O tempo, assim como a natureza, sempre dá um jeito. Nem sempre é o jeito mais agradável, mas com certeza um jeito é um jeito em qualquer lugar. O complicado é arranjar tempo. Para as coisas.

Tempo...
Coisas...

Elos de uma corrente que sempre arrastamos. Para sempre.