segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sobre o Inimigo.

Se olharmos muito tempo para dentro do abismo, o mesmo olhará de volta para dentro de nós. Ele nunca leu Nietzsche, mas o Google leu, e o Google tudo sabe, o Google tudo vê. Há uma certeza intríseca de que o tal abismo possa ser uma metáfora para o espelho. Uma metáfora dentro de outra metáfora. Um universo de metáforas por causa de uma simples pergunta. Se cada coisa simples esconde um universo, então.

O que é um inimigo? Seria fácil dar exemplos. Apresentar fantoches. Gráficos. Cerrar os dentes e incinerar o mundo. Há inimigos em todo lugar. Nos ameaçando incessantemente. Mas a simples pergunta deixa de ser simples quando feita por um garoto de cinco anos. Hã. Hunnn. Veja bem. Ele tem a manha com crianças. Jura que tem. Mas por onde começar? Como responder a pergunta mais difícil que já lhe fizeram? Como definir um inimigo sem criar um pequeno monstro?

Começou falando sobre atentados à vida e à liberdade. Ignorou que estava conversando com uma criança. Voltou à lucidez. Pediu caridosamente para o garoto de memória prodigiosa esquecer aquilo. Então pensou em como um dicionário o faria.

Inimigo = Adversário: Não. Crianças jogando futebol são adversárias umas das outras, mas nunca inimigas.

Inimigo = Não amigo: Se encaixaria bem, se ele fosse um gângster.

Inimigo = O Diabo: Se encaixaria bem, se ele fosse evangélico.

Inimigo = Quem está contra você: Neste contexto, poderia ser seus pais, avós, irmã, professora, animal de estimação.

O leque estava se fechando. Observou então que tal resposta não estava no dicionário. Lembrou do abismo, que o fazia lembrar do espelho. Alguma máxima da auto-ajuda que prega que seu maior inimigo é você mesmo. Sendo um espelho o mais próximo que conhece de um abismo, acreditou que você poderia ser seu maior inimigo. Por se boicotar. Por fazer escolhas erradas. Por ser responsável direto da sua própria vida e, portanto, responsável direto por alguma merda que aconteça com ela. Um adulto não levaria ao pé da letra e entenderia a metáfora. Esperar isso de um garoto de cinco anos não era sadio. Quem sabe quando ele tiver dez anos.

Alguém ou alguma coisa que nos faz mal deliberadamente. Usou uma palavra menos complicada que "deliberadamente", mas foi o mais próximo do que entende por inimigo que conseguiu explicar ao garoto. Havia travado uma batalha mental para chegar nesta resposta quase satisfatória. O menino entrelaçou suas pequenas mãos atrás das costas. E respondeu pra ele que "não sabia se tinha gostado da pergunta". O garoto quis dizer que "não sabia se tinha gostado da resposta", mas ele ainda era uma criança de cinco anos.

O assunto terminou ali. Por ora. O menino conseguiu um picolé de morango. E ele conseguiu mais cinco anos para elaborar uma resposta melhor.

Um comentário:

Graziela disse...

Com ou sem sentido, parece confortante termos respostas, mesmo que provisórias. Para o bem ou para o mal, a vida nos mostra exatamente o sentido de cada palavra. Não sei se isso é bom, mas acho que é assim... Beijos.