terça-feira, 12 de agosto de 2008

O Futuro é Agora - Parte 9 - O Holandês Voador.

...imagine um gângster da Chicago do início do século 20. Gravata. Chapéu. Suspensório. Charuto. Agora coloque nele um par de costeletas gordurosas. Parece aceitável, não? Substitua então seu maxilar inferior por um queixo de metal e dentes de lâminas expostos. Adicione um braço a mais no flanco esquerdo. Ignore a inexistência de nariz ou os olhos arregalados de psicopata e considere que o tal charuto está sendo fumado por uma abertura no pescoço.

Se conseguiu imaginar isso, vai chegar perto da estampa do Holandês Voador, que me observa desconfiado do outro lado da mesa. Seu escritório possui toda espécie de bugigangas, tal qual um antiquário. Cabeças de animais de desenhos animados decoram as paredes. Armas antigas repousam em estantes de vidro. Candelabros. Abajures. Caixas de papelão. Moedas. Selos. Medalhas. Pedaços de ferro. Cestos cheios de jóias sintéticas. Peças de automóveis. Um MV Surveillance empoeirado no canto. Meu detector de bombas parece árvore de natal, acusando cargas de C4 espalhadas pelo interior das paredes do lugar. O polegar da mão direita do Holandês ativa e desativa os explosivos num tique, através de um botão no detonador. Se o filho da mãe parar de clicar no momento errado, viramos patê. O negociante retira o charuto do buraco no pescoço e uma gosma cor de terra sai de sua traquéia. Se eu tivesse jantado, botava tudo pra fora. A voz metálica do Holandês Voador quebra o silêncio.

- Você me deixa nervoso, Pedroso.

- Eu também te amo, Lando. Tenho uma proposta pra te fazer.

- É muita audácia sua vir até aqui sozinho.

- Eu arranquei teu queixo fora e tu me extirpou um rim. Acho que estamos quites, não?

- O que você quer?

- Fiquei sabendo que tu colocou as mãos num Ford mil novecentos e alguma coisa.

- Uma maldita lata velha. Mas um clássico é um clássico. E paguei uma pechincha por ele.

- Quanto quer pelo veículo?

- Você com dinheiro? Virou comediante?

- Não sei, mas teus dentes estão dando um belo sorriso.

O Holandês pára de clicar e fica sério. Ou pelo menos é o que suas sombrancelhas me dizem. Os quatro segundos entre o parar e o iniciar o tique parecem uma eternidade.

- Me dê um motivo para não te arrancar a cabeça, Pedroso.

- Eu tenho uma informação. Coisa quente. Troco ela pelo carro.

- Do que se trata?

- Já ouviu falar de Otto Nema?

- O terrorista?

- Ele mesmo. Se sabe quem é, deve saber também que tem uma recompensa bem gorda pela cabeça do cara.

- E daí?

- Eu sei onde ele está.

O negociante franze a parte de sua testa que ainda é de carne. Agora sim ele está nervoso.

- E por que você não entrega o homem e leva a grana?

- Mexer com Otto Nema? Ainda tenho trinta filhos pra criar. Deixo isso para os psicopatas. Sem ofensas.

Lando coça o queixo de metal. Velhos hábitos, sabe como é. Já sei o que vem a seguir. Ele abre uma gaveta, pega um detector de mentiras e joga o aparelho para mim. Quer confirmar se não estou de sacanagem e se realmente trocaria uma informação tão valiosa pelo entulho. O treco confirma minhas boas intenções.

- Você realmente sabe onde tá esse cara. É mais doido do que eu pensava, Pedroso.

- Quero o carro da minha Tia Jandira de volta. Fazemos negócio?

- Fechado. Onde está o sujeito?

- Não sou porquinho novato, Lando. Tu já sabe que eu vou colaborar. Abre o bico.

- Hahaha, está certo. O carro está no desmanche do Valim.

- O que?

- Deve estar sendo destruído em uns...vinte minutos. Vão me mandar de volta as peças derretidas. Se quiser esperar aqui...

De repente o tempo virou meu pior inimigo. Viro as costas e ouço o rugido metálico do Holandês Voador.

- Está me devendo uma informação.

- É verdade. Que descuido o meu. O Otto Nema está...

Dou três tapinhas nas costas invisíveis do Otto e ele desativa a camuflagem Stealth, surgindo do nada entre eu e o Lando e apontando um berro nas fuças do sujeito.

- ...bem aqui.

Os olhos do Holandês Voador tornam-se dois pratos. Ele pára de clicar no detonador e nada acontece. Com a mão esquerda, Otto mostra a fiação das bombas que estava desativando enquanto eu papeava o negociante. O desgraçado mostra porque tem um braço a mais, jogando a mesa de mogno em cima da gente como se fosse isopor. Uma espécie de passagem secreta se abre atrás de Lando e ele se joga por ela. Fugiu da raia e nem deu gargalhada infernal. Lamentável. Escuto o som de lataria se retorcendo e torço para que não seja o MV sendo ativado.

Uma breve história sobre o MV Surveillance:

Durante a década de 10, a empresa de sistemas de segurança MV inventou os primeiros robôs-vigilantes para conter os ensandecidos pela Gripe. Engenhocas humanóides de quase 3 metros de altura que chegavam a 80 Km/h e eliminavam qualquer coisa que se mexia com o máximo da força bruta. Esses bichos saíram de linha após se constatar que suas programações tornavam-se “aleatórias” após 5 anos de uso. Quase 100 pessoas tiveram suas colunas vertebrais arrancadas pela boca, a MV foi processada e a imprensa abafou o caso. Em outras palavras, o MV Surveillance tornou-se uma máquina assassina sem critérios.

Fim da história.

Claro que a merda do robô foi ativada e, em menos de dois segundos, vejo o treco arremessando o Lúcio contra a parede e vindo em minha direção. A cada passo, sua cabeça faz buracos no teto. Desvio de um golpe que provavelmente arrancaria minha cabeça, pouco antes do Otto saltar como um chinês nas costas do monstro de ferro. Não sei se foi treinamento ou se ele andou fazendo uns upgrades no próprio corpo, mas Otto Nema está encarando um MV Surveillance na mão limpa e eu nem vou poder contar isso pra ninguém. A vida é cruel.

Busco a RCP 90 pelo chão enquanto o robô quebra todo o lugar com seus braços de meia tonelada. Otto vai aplicando golpes em pontos de pressão, esquecendo por completo que não está brigando com gente. Olho para o Palm e coloco uma regressiva nele: temos 12 minutos.

Arma na mão. Ajusto-a para “sem ricochete” e Lúcio pula para o lado. Mando bala no MV, que grita como um dinossauro atingido. Esta belezura deve disparar uns 100 tiros por segundo e nem dá coice. Os projéteis se evaporam após o primeiro impacto e fazem um belo estrago na lataria. Ninguém se machuca. Só o bicho, que atravessa uma janela e cai abalroado por três andares. Pergunto para Otto se ele está bem e digo-lhe que temos 10 minutos para pegar o Vovô e menos de 30 segundos antes que o Surveillance volte por onde saiu. Otto instala um aparelho que desconheço na parede e acena com a cabeça para saírmos.

- O que é isso?

- Um embaralhador de sinal. Desta forma, o Holandês não vai poder avisar para o Valim da nossa chegada.

Não posso me esquecer de pedir um brinquedo desses para ele quando isso tudo acabar. Se bem que, depois de roubar o esquilo voador do Filipe, fazer o Holandês de palhaço de novo e estar prestes a invadir o desmanche do Valim, meus problemas só estão começando.

A vida é cruel...e temos 8 minutos.

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