Estreou neste fim de semana o filme Ensaio Sobre a Cegueira, adaptação da obra de José Saramago pelas mãos habilidosas do diretor Fernando Meirelles, a qual fui assistir ontem. Antes de qualquer coisa, devo enfatizar que não li o livro de Saramago, então não poderei traçar paralelos entre um e outro. Trata-se de uma visão crítica sobre um filme, uma obra de ficção cinematográfica, e sobre isso sim tenho certa predileção.
Quando o trailer do filme circulou pela primeira vez, muita gente alardeou. Juravam que Meirelles havia transformado em mera ficção científica uma história que dizia muito mais sobre a humanidade e onde ela se perde quando todos são privados de um dos cinco sentidos (ao menos foi o que ouvi dizer, afinal, não li o livro). Após a experiência da projeção, posso dizer que se a proposta era capturar a essência humana e colocá-la num microscópio – mostrando de forma incisiva o quão tênue pode ser esta linha que nos separa do primitivo – então o diretor conseguiu.
Tudo começa quando um homem fica cego dentro de seu carro, no trânsito. Não demora muito para que esta estranha cegueira comece a se alastrar e algumas pessoas sejam “recolhidas” pelo Governo para um abrigo do Exército, no intuito de conter uma possível epidemia. A cada dia, mais e mais pessoas vão chegando ao abrigo, vítimas desta cegueira. A medida que os serviços oferecidos aos doentes pelo Estado se deterioram, os cegos são forçados a lutarem para sanar suas necessidades básicas.
Não há como não usar o termo “experiência” para definir este longa. O roteiro de Don McKellar é enxuto e utiliza com maestria elementos que provavelmente surgiram no próprio livro: não há nomes, nem de lugares, nem de pessoas. Os personagens são densos, únicos mesmo, mas nenhum deles têm nome. Há o oftalmologista, a esposa dele, o homem com um tapa-olho, a mulher de óculos escuros, o casal de orientais, o garoto, o ladrão, o Rei da Ala 3. Estão todos lá, mas não há nomes. Reza a lenda que, ao vender os direitos de adaptação de sua obra, Saramago exigiu que a história se passasse em uma cidade/país irreconhecível. Para evitar qualquer reconhecimento de lugar por parte do público, a produção optou por filmar as externas em 3 países diferentes: Uruguai, Canadá e Brasil (São Paulo). De fato, “onde diabos isso foi filmado?” é uma das muitas perguntas que surge na cabeça do espectador.
Mas é claro que o maior diferencial corre por conta de Fernando Meirelles, que mais uma vez prova que sua veia independente reinventa o modo de fazer cinema. Trucagens de câmera, efeitos de iluminação, câmeras no ombro, perda de foco e outras peripécias fazem de cada take uma experiência única de linguagem, nos transportando para a realidade inerente à história.
Uma tentativa e êxito de fazer com que nós, na poltrona do cinema, nos sentíssemos cegos. Atingidos pela névoa branca que cobria os olhos dos personagens e, por que não dizer, cobre nossos instintos mais primitivos. Trata-se de uma narrativa generalizada. Contando uma história que nos atinge em qualquer lugar, em qualquer época, não importando o nome que cada um tenha, mesmo em se tratando de uma doença que não existe. Um excelente resumo deste ponto de vista ocorre quando o personagem de Mark Ruffalo cobra “decência” de um outro personagem que é cego de nascença. O personagem de Gael Garcia Bernal intercede: “Ele é cego, mas isso não significa que ele seja bom ou mal. Ele é só cego e pronto”.
Não é à toa que Fernando Meirelles é, atualmente, o nosso melhor expoente da Sétima Arte e não foi à toa que José Saramago aplaudiu o longa. Ensaio Sobre a Cegueira é um filme denso, tenso, constrangedor e obrigatório. Nos faz refletir, recuar, temer o que pode haver dentro de nós.
***
Dica de filme:
Elenco: Mark Ruffalo (Oftalmo), Julianne Moore (Esposa do Oftalmo), Yusuke Iseya (Primeiro Homem Cego), Yoshino Kimura (Esposa do Primeiro Homem Cego), Alice Braga (Mulher de Óculos Escuros), Danny Glover (Homem com Tapa-olho), Gael Garcia Bernal (Rei da Ala 3)
Duração: 120 minutos
Gênero: Drama
Ano: 2008
Será que o livro também é assim?
Quando o trailer do filme circulou pela primeira vez, muita gente alardeou. Juravam que Meirelles havia transformado em mera ficção científica uma história que dizia muito mais sobre a humanidade e onde ela se perde quando todos são privados de um dos cinco sentidos (ao menos foi o que ouvi dizer, afinal, não li o livro). Após a experiência da projeção, posso dizer que se a proposta era capturar a essência humana e colocá-la num microscópio – mostrando de forma incisiva o quão tênue pode ser esta linha que nos separa do primitivo – então o diretor conseguiu.
Tudo começa quando um homem fica cego dentro de seu carro, no trânsito. Não demora muito para que esta estranha cegueira comece a se alastrar e algumas pessoas sejam “recolhidas” pelo Governo para um abrigo do Exército, no intuito de conter uma possível epidemia. A cada dia, mais e mais pessoas vão chegando ao abrigo, vítimas desta cegueira. A medida que os serviços oferecidos aos doentes pelo Estado se deterioram, os cegos são forçados a lutarem para sanar suas necessidades básicas.
Não há como não usar o termo “experiência” para definir este longa. O roteiro de Don McKellar é enxuto e utiliza com maestria elementos que provavelmente surgiram no próprio livro: não há nomes, nem de lugares, nem de pessoas. Os personagens são densos, únicos mesmo, mas nenhum deles têm nome. Há o oftalmologista, a esposa dele, o homem com um tapa-olho, a mulher de óculos escuros, o casal de orientais, o garoto, o ladrão, o Rei da Ala 3. Estão todos lá, mas não há nomes. Reza a lenda que, ao vender os direitos de adaptação de sua obra, Saramago exigiu que a história se passasse em uma cidade/país irreconhecível. Para evitar qualquer reconhecimento de lugar por parte do público, a produção optou por filmar as externas em 3 países diferentes: Uruguai, Canadá e Brasil (São Paulo). De fato, “onde diabos isso foi filmado?” é uma das muitas perguntas que surge na cabeça do espectador.
Mas é claro que o maior diferencial corre por conta de Fernando Meirelles, que mais uma vez prova que sua veia independente reinventa o modo de fazer cinema. Trucagens de câmera, efeitos de iluminação, câmeras no ombro, perda de foco e outras peripécias fazem de cada take uma experiência única de linguagem, nos transportando para a realidade inerente à história.
Uma tentativa e êxito de fazer com que nós, na poltrona do cinema, nos sentíssemos cegos. Atingidos pela névoa branca que cobria os olhos dos personagens e, por que não dizer, cobre nossos instintos mais primitivos. Trata-se de uma narrativa generalizada. Contando uma história que nos atinge em qualquer lugar, em qualquer época, não importando o nome que cada um tenha, mesmo em se tratando de uma doença que não existe. Um excelente resumo deste ponto de vista ocorre quando o personagem de Mark Ruffalo cobra “decência” de um outro personagem que é cego de nascença. O personagem de Gael Garcia Bernal intercede: “Ele é cego, mas isso não significa que ele seja bom ou mal. Ele é só cego e pronto”.
Não é à toa que Fernando Meirelles é, atualmente, o nosso melhor expoente da Sétima Arte e não foi à toa que José Saramago aplaudiu o longa. Ensaio Sobre a Cegueira é um filme denso, tenso, constrangedor e obrigatório. Nos faz refletir, recuar, temer o que pode haver dentro de nós.
***
Dica de filme:
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness)
Diretor: Fernando MeirellesElenco: Mark Ruffalo (Oftalmo), Julianne Moore (Esposa do Oftalmo), Yusuke Iseya (Primeiro Homem Cego), Yoshino Kimura (Esposa do Primeiro Homem Cego), Alice Braga (Mulher de Óculos Escuros), Danny Glover (Homem com Tapa-olho), Gael Garcia Bernal (Rei da Ala 3)
Duração: 120 minutos
Gênero: Drama
Ano: 2008
Será que o livro também é assim?
4 comentários:
Acho que é o livro da vida do Saramago. Eu e o Thiago estamos loucos prá ver o filme, mas ainda não posso ir ao cinema. Tô esperando a ajuda do
"Sr. Paul Torrent" para vê-lo em casa...hehehe
Pois é, na minha visão (mesmo que míope, rs) Meirelles conseguiu esfregar na cara de todo mundo pitadas do que há de melhor e pior no ser humano. E sim, creio que é realmente no caos, como o que se expressa no filme, que verdadeiramente nos revelamos, tudo, o que temos de generosidade e o que há de mais sombrio em nós. Beijos.
Não creio que tua visão seja míope. É bem isso mesmo. Uma pena que, sob certos aspectos, acabemos nos identificando com muita coisa do lado "sombrio" mostrado no filme.
Beijos.
Aiiii, to louca para ver, aqui na Espanha nem sinal do filme por enquanto. A merda é que a maioria dos cines exibe os filmes dublado (!!!). Mas é claro que eu achei um que nao (com ajuda de Jose), onde vimos Che. Gostei mas nao tive sorte...tb esperava mais dessa peli. O livro é bem bacana, vc devia ler, fazer o caminho inverso a todos. Esses dias vi muitos filmes, 3 num dia só para ver mais exata: Um Bonde Chamado Desejo (que Martlon Brando era aquele???), Elephant (parado, parado...) e A Flor do meu segredo, Almodóvar (que já foi melhor).
De cine, é isso.
Beijos
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