...não havia me dado conta do tamanho da encrenca. A Disco Inferno é um estabelecimento onde tudo pode acontecer e não tem este nome por ser hospitaleiro. Seu dono, Drako, promove orgias snuffs e recebe prêmios em festivais por isso. Só Deus sabe o que um pé-rapado como o Basi tem com essa figura folclórica. Parece mentira. Mas a informação é tão espalhafatosa que só pode ser verdade. O cara está mesmo lá e eu vou ter de limpar minha barra me atolando fundo, pois antes de chegar na Disco, terei de entrar no lugar conhecido como “O Buraco”.
Outrora com nome de santo, O Buraco é um bairro que reune tudo que há de mais insano na face da Terra. Um Carnivale elevado na décima potência. Todo o lixo deixado pela Gripe de 10 está lá. Liberados pela imaginação. Perdoados da culpa. Perto desse antro, Sodoma e Gomorra parece nome de dupla sertaneja. Como toda boa zona de quarentena, o bairro é cercado por uma imensa muralha. Atiradores de elite incansáveis nas guaritas. O mais engraçado é que esses snipers tentam manter o que tem no Buraco lá dentro, isolando toda a porcaria no interior dos muros. Um serviço e tanto de utilidade pública.
Observo a grande porta dupla do Buraco. Uma portinhola na altura da minha cabeça se abre. Um afegão fala por ela.
- O que tu quer?
- Disco Inferno.
Ele amarra o rosto curtido e estende a mão pela abertura. Quer pagamento. Dou-lhe o implante da Bete. Os portões se abrem. Antes de entrar, recebo uma lista das coisas que não posso fazer no perímetro. A maioria dos itens é passível de morte por tiro. Um doce. Vai dar trabalho tirar o Basi daqui, mas minha cabeça no mundo de gente normal depende do que ele tem a dizer. Além disso, não tenho porque descansar. Deixo isso para os guris.
Dentro dos muros, dou quatro passos e me viro para perguntar algo ao porteiro. Uma bala zune próximo a minha orelha e destrói uma pedra atrás de mim. Desrespeitei o item 3 da lista e quase virei presunto. Devo ter pego o atirador num bom dia. Sem volta nas próximas 24 horas. É uma forma de manter o mercado do lugar vivo. Força quem entra a usufruir do Buraco por pelo menos um dia de gastos. Isso deve pagar o salário desses funcionários públicos. Me encolho nos meus ombros e sigo Buraco a dentro, em direção ao barulho de metal arranhando, explosões e gritos. Fazia anos que não entrava aqui. Nada mudou. Só as pilhas de lixo, cada vez maiores. Ratos do tamanho de gatos fogem do som dos meus passos e logo cinco mendigos saem do nada e pulam pra cima dos roedores. Dois dos desafortunados levantam segurando um rato do tamanho de suas cabeças e disputando a bóia. Um outro, mais esperto, nota minha presença passageira e vem em minha direção.
- Ei, o que tu procura?
- Nada que tu possa me dar.
- Tenho hologramas pornográficos. Créditos oculares. Passaportes. Animais exóticos...
- Odeio animais. Estou procurando um homem.
- Branco? Negro? Tenho de todas as idades...
O sujeito está vestido com jornal e pensa que pode me vender o mundo. Típico. Mostro-lhe uma foto do Basi e ele gela. Me pede pagamento adiantado. Piso no pescoço de um dos ratões que tentava fugir dos mendigos. Pego o bicho com um saco de lixo que estava próximo e ergo o embrulho com as duas mãos. Com a premissa de ter carne por dois dias, o morador de rua abre o verbo. Me dá todos os passos do Basi e garante que ele ainda está vivo e bem, dentro da Disco Inferno. De brinde, me oferece uma mulher de três seios.
- Direto do Circo de Moscou. Vai me dar o rato agora?
Entrego o embrulho. Fico feliz em saber que o Basi ainda está aqui e que não vou passar um dia nesta pocilga a troco de nada. Pior que o barulho incessante é o cheiro. Um misto de ocre com ácido. Se fosse cor, não saberia descrever. A paisagem é praticamente um entulho. Prédios mortos, com lençóis e pedaços de roupas tremulando ao vento, ao contrário dos corpos inertes jogados pela rua. Todos com marcas visíveis de cortes cirúrgicos para retirada de órgãos e implantes. Os traficantes perdem a sutileza da banheira com água fria e os desprevenidos pagam o pato. Não sou pato. Fico parado enquanto ouço passos dobrando a esquina. Me jogo num canto e começo a tossir feito um tuberculoso enquanto seis homens passam com um isopor e bisturis nas mãos. Os coletores me olham desconfiados. Quase acreditam que sou mais que um andarilho. Suas crenças em encontrar bons órgãos se evaporam quando coloco o dedo na goela e “falo com a vó”. Me chamam de “velho bêbado” e seguem seu caminho. Fico na sarjeta, mas estou vivo. Coloco um Halls preto na boca para tirar o gosto do vômito. Se minha memória não me falha, a Disco Inferno fica na velha Farrapos, depois desta curva. Já falei sobre a minha memória?
Na fachada da Disco Inferno, um enorme diabo de neon come um vinil. Parece coisa de publicitário da PUC. Abaixo do belzebu, o letreiro vermelho pisca, chamando os piores dos piores para os prazeres da carne, do aço, e de outras deformidades. Veículos sob rodas perambulam pelo local e mutantes com megafones fazem discursos apocalípticos. Há um incinerador ao lado do prédio. Animador. Definitivamente, só entra na Disco Inferno quem quer muito entrar.
Basi está aí dentro. Respiro fundo e bato na porta...
Outrora com nome de santo, O Buraco é um bairro que reune tudo que há de mais insano na face da Terra. Um Carnivale elevado na décima potência. Todo o lixo deixado pela Gripe de 10 está lá. Liberados pela imaginação. Perdoados da culpa. Perto desse antro, Sodoma e Gomorra parece nome de dupla sertaneja. Como toda boa zona de quarentena, o bairro é cercado por uma imensa muralha. Atiradores de elite incansáveis nas guaritas. O mais engraçado é que esses snipers tentam manter o que tem no Buraco lá dentro, isolando toda a porcaria no interior dos muros. Um serviço e tanto de utilidade pública.
Observo a grande porta dupla do Buraco. Uma portinhola na altura da minha cabeça se abre. Um afegão fala por ela.
- O que tu quer?
- Disco Inferno.
Ele amarra o rosto curtido e estende a mão pela abertura. Quer pagamento. Dou-lhe o implante da Bete. Os portões se abrem. Antes de entrar, recebo uma lista das coisas que não posso fazer no perímetro. A maioria dos itens é passível de morte por tiro. Um doce. Vai dar trabalho tirar o Basi daqui, mas minha cabeça no mundo de gente normal depende do que ele tem a dizer. Além disso, não tenho porque descansar. Deixo isso para os guris.
Dentro dos muros, dou quatro passos e me viro para perguntar algo ao porteiro. Uma bala zune próximo a minha orelha e destrói uma pedra atrás de mim. Desrespeitei o item 3 da lista e quase virei presunto. Devo ter pego o atirador num bom dia. Sem volta nas próximas 24 horas. É uma forma de manter o mercado do lugar vivo. Força quem entra a usufruir do Buraco por pelo menos um dia de gastos. Isso deve pagar o salário desses funcionários públicos. Me encolho nos meus ombros e sigo Buraco a dentro, em direção ao barulho de metal arranhando, explosões e gritos. Fazia anos que não entrava aqui. Nada mudou. Só as pilhas de lixo, cada vez maiores. Ratos do tamanho de gatos fogem do som dos meus passos e logo cinco mendigos saem do nada e pulam pra cima dos roedores. Dois dos desafortunados levantam segurando um rato do tamanho de suas cabeças e disputando a bóia. Um outro, mais esperto, nota minha presença passageira e vem em minha direção.
- Ei, o que tu procura?
- Nada que tu possa me dar.
- Tenho hologramas pornográficos. Créditos oculares. Passaportes. Animais exóticos...
- Odeio animais. Estou procurando um homem.
- Branco? Negro? Tenho de todas as idades...
O sujeito está vestido com jornal e pensa que pode me vender o mundo. Típico. Mostro-lhe uma foto do Basi e ele gela. Me pede pagamento adiantado. Piso no pescoço de um dos ratões que tentava fugir dos mendigos. Pego o bicho com um saco de lixo que estava próximo e ergo o embrulho com as duas mãos. Com a premissa de ter carne por dois dias, o morador de rua abre o verbo. Me dá todos os passos do Basi e garante que ele ainda está vivo e bem, dentro da Disco Inferno. De brinde, me oferece uma mulher de três seios.
- Direto do Circo de Moscou. Vai me dar o rato agora?
Entrego o embrulho. Fico feliz em saber que o Basi ainda está aqui e que não vou passar um dia nesta pocilga a troco de nada. Pior que o barulho incessante é o cheiro. Um misto de ocre com ácido. Se fosse cor, não saberia descrever. A paisagem é praticamente um entulho. Prédios mortos, com lençóis e pedaços de roupas tremulando ao vento, ao contrário dos corpos inertes jogados pela rua. Todos com marcas visíveis de cortes cirúrgicos para retirada de órgãos e implantes. Os traficantes perdem a sutileza da banheira com água fria e os desprevenidos pagam o pato. Não sou pato. Fico parado enquanto ouço passos dobrando a esquina. Me jogo num canto e começo a tossir feito um tuberculoso enquanto seis homens passam com um isopor e bisturis nas mãos. Os coletores me olham desconfiados. Quase acreditam que sou mais que um andarilho. Suas crenças em encontrar bons órgãos se evaporam quando coloco o dedo na goela e “falo com a vó”. Me chamam de “velho bêbado” e seguem seu caminho. Fico na sarjeta, mas estou vivo. Coloco um Halls preto na boca para tirar o gosto do vômito. Se minha memória não me falha, a Disco Inferno fica na velha Farrapos, depois desta curva. Já falei sobre a minha memória?
Na fachada da Disco Inferno, um enorme diabo de neon come um vinil. Parece coisa de publicitário da PUC. Abaixo do belzebu, o letreiro vermelho pisca, chamando os piores dos piores para os prazeres da carne, do aço, e de outras deformidades. Veículos sob rodas perambulam pelo local e mutantes com megafones fazem discursos apocalípticos. Há um incinerador ao lado do prédio. Animador. Definitivamente, só entra na Disco Inferno quem quer muito entrar.
Basi está aí dentro. Respiro fundo e bato na porta...
Um comentário:
Como não sou uma pessoa convencional comecei pelo fim. Estou adorando! Mal vejo a hora de ir para o começo...rs...
Beijos!
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