segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Futuro é Agora – Parte 1 – Bichos.

...de telhado em telhado, eu fujo. Cães metálicos fungam no meu cangote. Lembro que nunca gostei de animais de estimação e permito-me um sorriso. Mais um motivo para pôr na lista. Parece que foi ontem que a TV noticiou a invenção do primeiro robô de estimação: um gato de lata. Não soltava pêlos. Não mijava nas suas roupas. Não te traía. Parecia perfeito. Bastava uma recarga elétrica de duas horas e o bicho funcionava por mais de uma semana. Como os antigos aparelhos moleculares. Ou seriam celulares? Não sei. Faz um mês que minha memória anda uma droga. Logo eu, que era famoso por lembrar de tudo. Talvez a pressão de ser um foragido esteja me afetando. Não é fácil. Sei que, se me pegam, serei fritado e o vídeo da minha execução estará na internet em menos de 30 minutos. Um problema de cada vez.

Primeiro os cachorros.
Depois o Executor.
Depois a internet.

Os cachorros. Três cães-policiais. Iguaizinhos. O mais assustador é que as patas não fazem barulho nas telhas. Ao contrário dos meus pés, que parecem tambores. Se eu não fosse treinado em superfícies inclinadas, já estaria morto. Talvez até esteja. Concluindo uma temporada num inferno onde não se pode nem beber em paz sem pegar pena de morte. Ah, bons tempos em que uma cerveja era uma cerveja. Bons tempos em que cachorros somente latiam. Estes três repetem a frase “Você está preso”, incessantemente. Como um maldito minidic riscado.

Uma clarabóia. Adoro estes prédios antigos.

Estraçalho o velho vidro da velha clarabóia do velho prédio. Caio como uma pluma no corredor desocupado. Mesmo sendo um “senhor”, não perdi o jeito. Nem o estilo. Os bichos passam batido. Dou uma respirada. Um deles volta. Me observa lá de cima com olhos vermelhos brilhantes. Tenho cinco segundos para decidir se deixo ele ativar o laser e me partir no meio ou se aguardo o velho no fim do corredor carregar a arma. Perco nas duas opções. Decido descer as escadas e torço para que o apartamento seja tão antigo que não possua tranca com impressão digital. Se tiver, terei de voltar e cortar o polegar do tio pra poder sair. Tio? Bem, eu tenho quase 50, mas ele parece ter uns 200 anos. Não viu o Dilúvio, mas pisou no barro. Ainda tem o cão, que está decidindo se ignora seus instintos implantados e pula pela clarabóia ou se espera eu colocar a cabeça pra fora para dar uma mordida nela.

Chego na porta e vejo a tranca. Tenho que voltar.

Antes da Gripe de 10, quando ainda se doava sangue, a doutora da triagem sempre se surpreendia com a minha saúde. “Parece um atleta.” Dizia ela. Mesmo levando uma vida desregrada de bebidas e noites em claro, meu metabolismo nunca me deixou na mão. Um cinquentão com fôlego de guri. Deve ser mal de família. Subo rápido as escadas. Quando chego no corredor, o móvel ao meu lado explode. O cão descarregou a primeira leva e errou por pouco. O vovô blasfema num idioma que eu desconheço e atira com um trabuco arcaico. Banco “Remo: Desarmado e Perigoso” e desvio. Com o robô não posso fazer o mesmo. O tranco arremessou o velho brutalmente para trás e me deu mais alguns segundos, mas continuo com pouco tempo para pensar. Meu tempo acaba quando o cão aterrisa no corredor, logo atrás de mim. Ignorou seus instintos caninos só para me sacanear. Quando estou para virar pra Meca e esperar que Alá corte minha cabeça, ouço algo que julgava extinto. Um miado. Meloso. Fino. Dói nos ouvidos, mas agora é música. Sim, o ancião tem um gato. Angorá. Provavelmente nunca comeu rato. O bichano decidiu dar seu passeio noturno na pior hora possível. Pulo pra cima do felino e seguro-o pelo rabo. Ele tenta me arranhar. Sem sucesso. Giro-o três vezes no ar e o jogo para o cachorro de lata. Não há como ignorar quando um gato é jogado nas suas fuças. Uma perseguição de desenho animado tem início.

Enquanto o gato voa pelos cantos tentando escapar de seu predador, o idoso se levanta. Tenta me bater com a arma e leva um murro. Fazia muito tempo que eu não batia em alguém mais velho. Acho que umas 12 horas. Mantenho meu bom-humor e decido não cortar fora o dedo do vovô. Ele talvez ainda vá precisar de um polegar opositor. Em vez disso, arrasto o infeliz pelo corredor, segurando-o pelo colarinho. Ele balbucia algo sobre eu ter “matado o Godines”, mas não lhe dou ouvidos. Suas ancas fazem barulho de vidro enquanto descemos os degraus. Algo viscoso sai de seu nariz. O gato ainda faz baderna em algum lugar, tentando sobreviver à fúria metálica. O cão repete “Você está preso” como se o felino fosse entender a ordem. Chegamos na porta e coloco a mão do velho na tranca, que dá o sinal eletrônico de abertura. Descarto o pobre diabo num canto. Fecho a porta, deixando o pandemônio animal e ganhando a rua.

Céus, preciso de uma cerveja...

Um comentário:

Anônimo disse...

Estamos no futuro. Você é um bandido com superpoderes e eu sou a única leitora que comenta por aqui??? Alooou!!!