quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Pancadaria.

Após um recesso de um mês sem filmagens, eis que matamos três coelhos do curta Os Batedores no decorrer desta semana. Era para ser quatro orelhudos, mas o péssimo tempo de sábado quis que pedalássemos as cenas do Ligeiro para março. Destino. Um male que vem para o bem, talvez.

Vamos à cena do flashback no Hospital. “O Homem” acorda de seu coma de cinco anos com sede de sangue. Jack Gerchmann entra de sola no curta e empresta seu vozeirão para ecoar nos corredores do Hospital Moinhos de Vento, que apoiou o projeto de tal forma que até uma enfermeira ficou disponível só para nos auxiliar com os aparelhos e bandagens. Na suíte do HMV, uma equipe enxugada se esforçava pra fazer o mínimo de barulho enquanto produzia efeitos de relâmpagos. A enfermeira amarrava a cara de medo ao ouvir o Jack repassando o texto de Amadeu Deodato, enquanto colocava o soro no “paciente”. Duas horas e vinte minutos depois de chegarmos ao hospital (duas horas de produção, filmagem e desprodução e vinte minutos na tentativa desesperada de tirar uma lente de contato do olho do Jack), já estávamos encerrando as atividades da filmagem de sexta.

Domingo. Dia de sol. O comboio parte de Porto Alegre rumo à Sapiranga, cidade das rosas. Além de rosas, a cidade também tinha o banheiro de um posto de gasolina, ideal para a fatídica cena do banheiro onde Raul (Marco Soriano Jr.) levaria um atraque de Tosco (Eduardo Ribeiro). Eu não tinha muita noção do que o Filipe estava planejando para a cena, mas se o Ghiorzi estava no local, boa coisa não era. Nosso mestre dos efeitos veio com sua inseparável valise verde, com toda sorte de cicatrizes, ampolas e tonalidades de sangue falso. A Lisi, maquiadora que também tem uma certa predileção pela fabricação de machucados, observava enquanto o Ghiorzi arrebentava o Marco antes mesmo dele apanhar em cena.

Banheiro interditado, vasos sanitários higienizados (Henrique e eu pagamos nossos pecados), luzes prontas, atores em posição: começa a peleja. Raul tenta sair do banheiro. Tosco não deixa e ignora. Joga o infeliz feito um saco de batatas de um lado para o outro. Dava pra ouvir o barulho e os gritos do lado de fora do set. Enquanto os atores se digladiavam no banheiro, os chamados “machos” de Sapiranga contorciam o rosto por serem obrigados a usar o banheiro feminino. Um deles bradou:

- Não vô em banhero de muié porque eu não sô gay. Eu sô machista.

Chicão, pai da Gabi, que havia dado carona pra metade da equipe, balançava a cabeça de olhos fechados em sinal positivo, concordando com o sujeito. Não demorou muito para que os sapiranguenses começassem a aloprar com seus carros e seus vanerões, prejudicando nosso som. Gabi e Fernanda uniram forças para pedir gentilmente para baixarem o som. Funcionou muito bem com o primeiro carro. No segundo, elas voltaram frustradas, pois tinham sido ignoradas por dois magrões fankeiros, que aumentaram o volume. Em uma pausa entre takes, o Tosco foi falar com eles. Reza a lenda que foi mais ou menos assim:

- Ô meu, as gurias vieram pedir pra abaixar o som e vocês ignoraram. Nós estamos filmando, pagando locação e, se tu quiser, eu vou me incomodar contigo.

- Bah, mas tão filmando mesmo? Foi mal. Respondeu o magrão, praticamente mijando de medo.

Imediatamente o som foi desligado e os pneus cantaram. Edu voltou feliz para o set. Tão feliz que socava o coitado do Marco com sorriso no rosto. Nos empolgamos tanto com o resultado que até colocamos o Tosco pra falar em cena:

- Perdeu, Cara! Gritava o brutamonte, emendando um chute no estômago de Raul.

O Márcio parecia o Homem-Aranha, pulando em cima dos boxes e filmando a pancadaria de um plano aéreo. Lá embaixo, Tosco jogava Raul box adentro e o puxava de novo pra mais porrada. Chute, sangue, cabeçadas nos azulejos e o vôo final, onde o Jéferson, nosso coreógrafo, nos indicava a melhor forma de arremessar o pobre Raul em direção à câmera sem machucá-lo (muito). O Circo Girassol nos cedeu alguns colchões para essa cena. Marcelo, Henrique, Jé e eu segurávamos firmes os tais colchões. A Cíntia segurava a câmera do making of, que não deve me deixar mentir: o Marco voava, literalmente falando.

Já havia um clima de hostilidade na rua por parte dos habitues do posto quando o Diretor gritou:

- Temos!

Ouviu-se palmas da equipe. Sorrisos. Satisfação de dever cumprido depois de tanto tempo sem filmar. E que cena. Era a nossa “Paixão de Cristo” particular, onde o Marco Soriano Jr. era o Jim Caviezel. Me disseram que, no dia seguinte, Edu e Marco estavam tão quebrados que um deles pediu para ser levado ao HPS. Adivinhem qual dos bixcoitos pediu isso???

Ontem...

Correria mambembe para gravações de inserts de apresentação do Tosco. Como o Edu está para ir ao Rio (epidemia entre atores nesta época do ano), decidimos matar de vez as cenas com ele. 19:30h de uma terça-feira no Centro não é bem uma coisa habitual, mas o pessoal estava lá. Rua 24 horas. Edu trouxe figurantes de Canoas, Jack trouxe mais alguns. O Cristian logo chegaria para ser esmagado, pois tinha a nuca certa para esta cena. Até a Gabi entrou na roda. Nos inserts, o Tosco brutaliza: passa por cima de um pacato cidadão, rouba bolsa de gentis senhoras, atravessa uma família no meio, vira um desafortunado de cabeça pra baixo e o chacoalha para ver se cai alguma coisa, esmaga um crânio. Aaaaaaaahhhhhhhhh, estraguei a surpresa? Que nada. Vocês têm que ver para crer. O Edu nasceu pra esse papel. Os figurantes estavam perfeitos. Enfim, nada do que eu disser ou descrever aqui paga o produto final, que vai ficar simplesmente espetacular.

Terminamos as filmagens já com aquela nostalgia. Próxima filmagem só depois do carnaval. Merda. Mas fazer o quê. Foi nosso último dia com o Edu e já estou com saudades do gordo. Relatos dizem que ele levou Diretor e Diretor de Fotografia para tomar uma ceva em Canoas e contou histórias tão assombrosas que fez as minhas parecerem brincadeira de criança.

Temos um novo mestre, senhoras e senhores.=P

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