sábado, 1 de maio de 2010

Quando Lost se perdeu?

AVISO DE SPOILER! AVISO DE SPOILER! AVISO DE SPOILER!

Nesta semana, um artigo online da Folha de São Paulo deixou os fãs de Lost e os fóruns sobre o programa em polvorosa. No referido texto, dois jornalistas enumeraram uma série de questões e mistérios que, segundo eles, o seriado ainda não havia respondido ao espectador que acompanha o show criado por J.J. Abrams em seus seis anos de existência, e que ficariam ainda mais difíceis de serem sanados, uma vez que o seriado está para acabar neste mês.

Para quem assiste assiduamente a Lost, ficou claro a falta de esclarecimento e conhecimento do assunto dos profissionais do jornal, que listaram algumas perguntas até pertinentes, outras que a atração só há de revelar no último episódio ("o que é a ilha?", por exemplo), e muitas outras – a maioria das questões, na verdade – que já foram respondidas ao longo dos 116 episódios já exibidos. O texto pouco balizado, mas com a alcunha de ser veiculado no melhor jornal do Brasil, atraiu a atenção (e a fúria) de sites brasileiros especializados na série e em seriados em geral: uns se limitaram a responder os tais mistérios levantados pela Folha com certa ironia (Dude, We Are Lost!), outros também fizeram o tira-teima, mas soaram prepotentes e até ofensivos (LiGado em Série), e outros se mantiveram na defesa da essência do seriado, na defesa da manutenção do mistério e do direito dos roteiristas e produtores de Lost em mantê-los (Lost In Lost).

Ora, por mais que o Bruno Carvalho tenha um conhecimento absurdo sobre seriados, ou que eu me identifique mais com os ideais levantados pelo texto do Carlos Alexandre, vamos combinar que Lost não é uma das série mais populares de todos os tempos por atingir meia dúzia de gatos pingados: é um entretenimento de massa, e massa quer dizer povo, e povo, estatisticamente falando, não gosta de ficar no escuro.

Isso, claro, explica o grande motivo para o descontentamento viral com Lost (o acúmulo de mistérios), mas engana-se quem acredita que foi aí que Lost se perdeu, tampouco quando apelaram para viagens no tempo (e não há melhor recurso narrativo para encher lingüiça do que esse), nem quando mataram o melhor personagem da série e colocaram uma cruza de belzebu com fumaça de escapamento em seu lugar (apenas para não descartar o excelente ator Terry O’Quinn). Acreditem ou não, Lost se perdeu quando resolveu começar a elucidar seus mistérios.

Depois de duas (excelentes) temporadas inteiras despejando as perguntas mais escabrosas nas cabeças dos espectadores (como, por exemplo, o enigma da escotilha e seu botão do fim do mundo), veio a fatídica 3ª temporada, centrando sua narrativa microscópica nos “Outros”. E qual a nossa surpresa quando descobrimos que aquelas pessoas misteriosas que se moviam como ninjas e se vestiam de peles e sacos de arroz enquanto seqüestravam crianças eram apenas e simplesmente “pessoas”, como eu, como você, como o Joaquim da padaria, e que em nada lembravam o malvado Ethan, cuja super força e resistência mostrados na 1ª temporada o faziam puxar um adulto ribanceira acima com apenas um braço (e ninguém sabe como ele fazia aquilo).

Foi exatamente aí, tentando dar vida e rosto aos Outros, que os roteiristas de Lost se viram em uma cilada: entregaram uma de suas mais valiosas cartas (“quem são os ‘Outros’?”) cedo demais. Ora se esse não era um dos principais mistérios de toda a série até aquele momento (quase tão primordial quanto “o que é a ilha?”) e olha se esse mistério não estava ali, sendo explorado de dentro para fora sob os pontos de vista de Jack, Kate e Sawyer – os três prisioneiros dos pretensos “nativos”.

Nesta altura do campeonato, era até possível que Lost ainda estivesse seguindo um script, mas Ben Linus – o enigmático líder dos Outros – resolveu sobressair às linhas (essa é uma premissa normal em roteiros: bons personagens costumam fazer seus próprios caminhos) e engolir a trama da temporada inteira para si, afinal, a 3ª temporada era centrada na estadia dos três presos acima citados com os Outros, e o motivo de suas prisões era um só: a doença de Ben. Jack era o médico-cirurgião que iria curar o vilão. Kate era usada para controlar Jack, ao passo que Sawyer era usado para controlar Kate. Mas e a trama da ilha, como é que fica? A trama, depois de Ben Linus, resumiu-se a tentar explicar as coisas, tentando não pisar nos próprios cadarços.

São várias as vezes que se pode perceber a agulha da bússola dos roteiristas girando sem parar em pegadinhas que eles mesmos se aprontam. Num episódio, você “não iria querer conhecer o capitão” do cargueiro Kahana (o barco enviado por Charles Widmore para virar a ilha de cabeça para baixo), no outro, o Capitão Gault aparece e se mostra uma pessoa amável e até mesmo prestativa (pouco antes de levar um tiro – mais um dos muitos personagens de Lost que não serviu para nada). Na temporada das viagens no tempo (5ª), a série chega ao cúmulo de cometer um erro grotesco de linearidade e apontá-lo, como se tudo tivesse sido planejado desde sempre: Sayid havia acabado de dar um tiro em um Ben Linus de 12 anos de idade. Eis que no episódio seguinte, Hurley pergunta para Miles:

- “Se Sayid deu um tiro em Ben quando ele era pequeno, como é que o Ben não reconheceu Sayid quando o encontrou pela primeira vez na escotilha?”


A “saída” para esta auto-cilada foi levar o garoto para ser curado pelos Outros da época, liderados por Richard Alpert, que antes de aceitar o moleque, avisou:

- “Vamos curá-lo, mas ele vai voltar diferente do que é, E NÃO VAI SE LEMBRAR DE NADA.”


Assim fica fácil, não?

O que mais incomoda não é nem algumas discrepâncias espalhadas pelo seriado (toda boa obra tem gosto de queijo de vez em quando), ou como Lost quase virou uma série exclusivamente de ficção científica (e eu adoro ficção científica, mas vamos combinar que não é o espírito do programa), e sim como grandes mistérios de uma série que é (ou deveria ser) sobre mistérios têm se elucidado de forma decepcionante e, impressionantemente, com o aval dos fãs mais exacerbados de Lost. Certamente, é mais uma reação emocional do que qualquer outra coisa, mas como aceitar passivamente que a seqüência de números mais emblemática da cultura pop é apenas uma referência randônica a nomes em uma lista (poderia ser um 97 no lugar do 42 que não faria a menor diferença)? Como pensar que é uma ótima idéia dizer que os sussurros que gelaram as espinhas dos sobreviventes do vôo 815 eram apenas almas penadas? Como aceitar que o grande vilão da 3ª temporada (e potencialmente do seriado todo) seja delegado a personagem de quinta categoria nesta última temporada? Como vislumbrar a remota insinuação de que a ilha possa ser o gargalo do inferno? Será que o senso crítico dos viciados em Lost anda tão avariado a ponto de não perceberem que essas artimanhas narrativas são saídas fáceis? Que tal forma chula de solucionar dúvidas é leviana? Que é muito feio da parte dos Srs. Lindelof e Cuse (responsáveis atuais pela série) elevar as expectativas de um público que segue a ilha há seis anos para, então, darem sorvete seco como prêmio de consolação?

Eu acompanho Lost, e gosto da série pelo que ela representa como entretenimento, pelo que ela inovou como seriado. Espero ávido pelos quatro últimos episódios, mas confesso – salvo algo muito bombástico ocorra nesta reta final – que tenho saudades dos tempos do Lostzilla.

4 comentários:

Anônimo disse...

ahhhh, que saudades de quando Lost me despertava ansiedade e muuuuuito interesse!! mas parei de ver na 3º temporada...e pelo que me dizem sou feliz enaõ sabia, hehe!!

Mas foi um belo post sr.Édnei...muito jóia!!

abração!! e homi de ferro é jóia! valeu 15 reais! sem problemas!

Édnei Pedroso disse...

Opa, Sapão. Valeu mesmo.

Tu foi ver em 3D?

Anônimo disse...

Nãooo! nem sabia que o ferroso tinha em 3D??? PERDI ESSA, HEHE! MAS NEM DÔ BOLA PRO 3d MESMO!! e já tô melhor hoje!! até vou ir lá no unicórnio treinar, hehe!!

abração!!

Édnei Pedroso disse...

Não, Sapão! Eu viajei nessa. HdF não foi lançado em 3D.=(