quarta-feira, 15 de abril de 2009

A Dança da Morte.

Texto publicado originalmente em 05 de dezembro de 2005 , na coluna Passado a Limpo, do site www.sobrecarga.com.br

Provavelmente, grande parte dos leitores desta coluna – os que são fãs do
chamado western spaghetti, principalmente – já deve saber com qual filme fecharei esta trindade do bang-bang, iniciada há dois textos atrás.

O filme Era Uma Vez no Oeste, do diretor Sergio Leone, não é somente o melhor filme de faroeste já rodado: ele é considerado, por muitos críticos, como uma das maiores experiências já realizadas no cinema.

Os nomes que trabalharam para esse feito são alguns dos motivos que fizeram desse longa um espécime único, imortal. A começar pelo próprio Leone, cujo nome já era grande conhecido na caracterização do Oeste Selvagem com a famosa "trilogia dos dólares" (Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito, todos protagonizados por Clint Eastwood). O diretor era muito conhecido também por conciliar tomadas longas, close-ups desconcertantes e impressionante fotografia (assinada nesse filme por Tonino Delli Colli), aliado à habilidade de direção de atores que poucos possuem. Tudo com maestria indiscutível.

Todos esses predicados, juntamente com um elenco e roteiro perfeitos (esse último baseado em história escrita por Leone, Bernardo Bertolucci e o mestre do horror Dario Argento), foram o suficiente para imortalizar essa pérola da ganância, do cinismo, da corrupção e, principalmente, da vingança. É a história de Jill McBain (Claudia Cardinale, belíssima), uma viúva que de donzela não tem nada, disposta a copular com o assassino do marido somente para livrar a própria pele. É a história de Frank (Henry Fonda), o sujeito mais cruel que já pisou no Oeste, um homem que não titubeia em matar uma criança à queima-roupa por pura maldade. É a história de ”Harmônica” (o saudoso Charles Bronson), um pistoleiro sem nome e de passado obscuro, capaz de matar três homens em frações de segundo. É a história de Morton (Gabriele Ferzetti), um inescrupuloso barão dos trilhos que não mede esforços (nem dinheiro) para alcançar seus objetivos. Não é de admirar que, em um universo habitado pelos piores tipos, os bons morram como moscas, e a personagem menos desprezível seja justamente o foragido Cheyenne (o carismático Jason Robards), um ladrão e assassino com a cabeça a prêmio.

As voltas da ampliação da malha ferroviária nos Estados Unidos do século 19, Bret McBain (dono das terras por onde deve passar uma das rotas da estrada de ferro) e sua família são brutalmente assassinados. Jill, uma prostituta de New Orleans que casara com McBain em segredo, herda as tais terras e, com elas, essa herança sanguinária, característica da própria história americana – como visto nos outros dois filmes que o diretor fez para “homenagear” a América (Era Uma Vez no Oeste constitui essa trilogia, ao lado de Quando Explode a Vingança e Era Uma Vez na América). A mulher, ameaçada pelo assassino dos McBain, recebe a improvável proteção de um misterioso e habilidoso pistoleiro (que toca uma gaita de boca como um prenúncio de morte e, por isso, leva o nome de “Harmônica” ou – como em alguns DVDs – “Gaita”), e a ajuda de um criminoso conhecido (Cheyenne), acusado erroneamente pelas mortes.

Entre as tomadas longas já citadas (explorando a fotografia árida) e as cenas de tiroteio impressionantes, os diálogos disparam chispas para todo lado, fazendo uma menção clara ao pessimismo que aflige a sociedade, inclusive nos dias atuais, o que faz desse filme um espécime atemporal (em certa cena, Cheyenne menciona a Harmônica que existem “fariseus” em qualquer época). Essa característica negativa era uma marca forte de Leone, que fazia questão de bradar aos quatro ventos que o projeto era como uma dança da morte, onde todas as personagens, com exceção de Jill, têm plena consciência de que não chegarão vivos até o final da película.

Spoiler? De jeito nenhum. O que importa é como isso é orquestrado ao longo dos 166 minutos; é como a narrativa parte de um trio de mal-encarados esperando um trem (numa das entradas de filme mais longas e clássicas de todos os tempos, quase 14 minutos) e como ela chega a um desfecho magistral, onde dois homens, de olhos sombrios como a morte e gatilhos rápidos como um raio, se enfrentam no duelo mais espetacular já filmado, ao som da trilha arrepiante do mestre Ennio Morricone (colaborador-mor de Leone e responsável por outras trilhas cruciais, como a de Os Intocáveis, por exemplo). Uma ode à vingança.

Em uma dessas curiosidades insanas, esse filme não levou sequer uma indicação ao Oscar, o que nos leva a constatar, mais uma vez, que a Academia não entende muito de obras de arte. Mesmo que Henry Fonda esteja sublime no único papel de vilão de sua vida (bem como todo o elenco), ou que a direção, a montagem e a fotografia tenham sido perfeccionistas e vicerais, ou mesmo que a trilha sonora seja um achado.

É uma pena que grande parte das pessoas que fizeram de Era Uma Vez o Oeste uma obra-prima não esteja mais entre nós. Gente talentosa, que nos mostrou como o cinema vai além de meras imagens e meia dúzia de frases feitas e como se faz um filme de verdade, baseado em talento e dedicação. Um brinde a Sergio Leone.

Aqui fecho a Santíssima Trindade do Western, com a sensação de dever cumprido ao apresentar esses espécimes raros, principalmente, a esta nova geração de amantes do cinema, que devem descobrir que filmes bons, assim como fariseus, existem em qualquer gênero, em qualquer época.

***

Dica de filme:

Era Uma Vez no Oeste (C'era una Volta il West)
Diretor: Sergio Leone
Elenco: Jill (Claudia Cardinale), Frank (Henry Fonda), Cheyenne (Jason Robards), Harmônica (Charles Bronson), Morton (Gabriele Ferzetti)

Duração: 166 minutos
Gênero: Western
Ano: 1969

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