segunda-feira, 2 de março de 2009

Muito Antes de 24 Horas.

Texto publicado originalmente em 20 de outubro de 2005 , na coluna Passado a Limpo, do site www.sobrecarga.com.br

A maioria dos adeptos da fórmula de tempo real (na qual cada minuto em tela eqüivale à um minuto na vida real), apresentada na série de TV 24 Horas, devem desconhecer que tal artifício já é utilizado por grandes produções do cinema há muito, muito, muito tempo.

Anos antes de Kiefer Sutherland pensar em nascer, o diretor Fred Zinnemann (responsável por pérolas como A um Passo da Eternidade e O Homem Que Não Vendeu Sua Alma) já utilizava o recurso do tempo real para tecer um dos mais contundentes westerns de todos os tempos.

Em 1952, o filme Matar ou Morrer chegava para fazer história. O projeto contava não apenas com o timbre de Zinnemann, mas também com a estampa de dois dos maiores astros de Hollywood: o galã Gary Cooper, que já estava na sua 53ª primavera, e a belíssima Grace Kelly, que dispensa comentários.

A trama, diferente dos filmes do gênero da época (que apostavam suas fichas em tiroteios coreografados) girava em torno do xerife Will Kane (Cooper), um homem correto e respeitado em sua cidadezinha, que recebe uma carta, no dia de seu casamento, de um bandoleiro que mandara para a prisão tempos atrás. O conteúdo da missiva é direto e sem vaselina: no trem do meio-dia, Frank Miller (Ian MacDonald) e seus comparsas desembarcarão na estação de Hadleyville para matá-lo. Imediatamente, o Xerife Kane estufa o peito, convencido de que finalmente dará a Miller (casualmente ou não, o mesmo nome do criador de Sin City) a lição que ele merece. Bastava apenas reunir um contingente decente junto aos cidadãos e esperar o bando na estação, certo?

Errado!

Deste ponto em diante, cada segundo da película mostra exatamente o oposto do que se convenciona de uma cidade que, até aquele momento, era um exemplo de paz e união: Will começa a ver seu mundo ruir a cada recusa de ajuda que leva, aliados aos pedidos de Amy (Kelly), sua noiva, que roga para que o benfeitor da lei desista da idéia de esperar pelo bando e fuja da cidade o mais rápido possível. Nesta parte da narrativa, o recurso de tempo real funciona como um duelo de nervos: os minutos que passam em closes estratégicos nos relógios de parede, contra a iminência de um duelo que, com certeza, resultará em tragédia.

Além do roteiro bárbaro de Carl Foreman (baseado em estória de John W. Cunningham) e a direção impecável de Zinnemann, a atuação bombástica de Cooper (agraciado com um Oscar pelo trabalho) alavancou a qualidade do filme de tal maneira, que é quase impossível não se identificar com os sentimentos demonstrados por Kane: desde a coragem inabalável de um herói confiante (logo no início do longa), passando pela dúvida entre cumprir seu juramento de manter a lei ou salvar sua pele, até a desolação no final (numa das cenas mais marcantes que já vi) onde Will olha para os lados e não encontra ninguém em quem se apoiar, enquanto o trem das 12 chega ameaçador. Um espetáculo.

Seria sacanagem das piores se eu contasse o que acontece depois disso e privasse os leitores desta coluna de saborearem uma das melhores seqüências já registradas em tela. O resultado disso foram sete indicações ao Oscar, sendo que quatro deles foram abocanhados pelo projeto (o de Melhor Ator para Cooper, Melhor Edição, Melhor Canção Original para High Noon (Do Not Forsake Me, Oh My Darling) e Melhor Trilha Sonora). Curiosamente, o papel de Will Kane havia sido oferecido anteriormente para Gregory Peck, que o recusara por achar a personagem muito similar ao papel que havia feito em O Matador, de 1950. Um daqueles casos em que o produto saiu melhor que a encomenda.

Como se vê, tudo salva-se em Matar ou Morrer, mesmo que alguns avessos de filmes antigos reclamem que o preto e branco é coisa do passado, que o faroeste é um gênero bitolado, ou que os atores assalariados* são uma espécie em extinção. Quando um filme transcende expectativas para figurar no rol dos clássicos, nem o tempo pode lhe ser implacável.

Jack Bauer que o diga...

*: Nos idos de 1950, os grandes estúdios agregavam atores e atrizes da época como assalariados, que recebiam mensalmente mediante contrato de trabalho. Bem diferente de hoje, onde os astros são pagos por trabalho realizado e sem vínculos com as distribuidoras.

***

Dica de filme:

Matar ou Morrer (High Noon)
Diretor: Fred Zinnemann
Elenco: Gary Cooper (Xerife Will Kane), Grace Kelly (Amy Kane), Thomas Mitchell (Jonas Henderson), Lloyd Bridges (Harvey Pell), Katy Jurado (Helen Ramirez), Ian MacDonald (Frank Miller)
Duração: 84 minutos
Gênero: Western
Ano: 1952

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