...certa vez, uma amiga me disse que traidores são monstros e que deviam ser executados. Não importa em que nível. Se a traição prejudica alguém, voilá. O problema é de quem se deve ou não cobrar lealdade. Um amigo. Um ente querido. Uma garota. Geralmente é uma pessoa próxima. Neste caso, não sei se poderia cobrar lealdade do Basílico.
Um bêbado conhecido no bairro para quem paguei alguns tragos em troca de informação. Talvez o Basi nem me devesse nada. Mas foi ele quem escancarou o coro e me meteu nesta enrascada. Nem sei o sobrenome do sujeito, mas vou cobrar. Não lealdade porque sei que ele não sabe sequer soletrar isso. Vou cobrar algo, apenas. Talvez seus rins, amarrados um no outro, para usar de bola.
É curioso como o hábito faz o homem. Se tu queres achar alguém, basta seguir os hábitos. O lanche preferido. A bebida preferida. A mesa preferida. Houve uma época em que se frequentava o lugar até por causa do bom atendimento, acredita? Já tive esse tipo de pretensão. Recusar um local porque a pizza demorava uma era pra chegar. Hoje, se alguém se dispõe a me atender sem chamar o Exército, já me dou por satisfeito.
No caso do Basi, a coisa é mais primitiva, pois ele bebe no Harvey’s por um único motivo: a Bete. Moça bonita do interior. Boas formas. Cabelos de fogo. Implante biônico no lugar do olho esquerdo. Diz ela que foi arrancado pelo pai por ela ter “visto demais”. Não duvido. Dizem que a tecnologia da TV não chega nos cafundós da Gromelândia, seja lá onde diabos isso fica. O Harvey’s, assim como Bete, é um lugar decadente. Fundado no lugar do antigo Jekyll, o bar funcionava como um novo polo na Cidade Baixa. Foi o primeiro a usar o chopp à jato e o último a apelar para os atendentes-robôs. O velho Chico era um adepto do clássico. Quase um João. Todos gostavam do Harvey’s até acontecer o massacre de setembro de 2015. Doze mortos foram suficientes para transformar o bar num antro de miseráveis. Gente como o Basi. Gente como eu.
Quando entro no Harvey’s, a conversa cessa. Se esse pessoal soubesse que sou bem menos fodástico do que minha fama, não estariam tremendo. Um atendente-robô jaz empilhado num canto escuro, desativado. O Chico já serve minha dose de sempre e faz o copo deslizar pelo balcão antes de eu dizer qualquer coisa. Olho torto para os gatos pingados do lugar e meto medo. A única que me esquadrinha é a Bete. Vejo o zoom do seu olho esquerdo ser ativado. Ela está analisando até minha alma, e com cara de poucos amigos. Ela já sabe o que quero. Não tenho porque ser cortês.
- Desembucha, Bete!
- Não sei de nada, Pedroso.
- Sabe e vai me dizer. Vou perguntar só uma vez: onde está o Basi?
Ela cospe na minha cara. Não é a primeira ruiva a fazer isso e não vai ser a última. Ouço gritos e lamentos quando saio do lugar com o olho biônico da Bete na mão. O Basi não estava lá, mas agora tenho um nome.
Drako Rebello, o dono da Disco Inferno.
Um bêbado conhecido no bairro para quem paguei alguns tragos em troca de informação. Talvez o Basi nem me devesse nada. Mas foi ele quem escancarou o coro e me meteu nesta enrascada. Nem sei o sobrenome do sujeito, mas vou cobrar. Não lealdade porque sei que ele não sabe sequer soletrar isso. Vou cobrar algo, apenas. Talvez seus rins, amarrados um no outro, para usar de bola.
É curioso como o hábito faz o homem. Se tu queres achar alguém, basta seguir os hábitos. O lanche preferido. A bebida preferida. A mesa preferida. Houve uma época em que se frequentava o lugar até por causa do bom atendimento, acredita? Já tive esse tipo de pretensão. Recusar um local porque a pizza demorava uma era pra chegar. Hoje, se alguém se dispõe a me atender sem chamar o Exército, já me dou por satisfeito.
No caso do Basi, a coisa é mais primitiva, pois ele bebe no Harvey’s por um único motivo: a Bete. Moça bonita do interior. Boas formas. Cabelos de fogo. Implante biônico no lugar do olho esquerdo. Diz ela que foi arrancado pelo pai por ela ter “visto demais”. Não duvido. Dizem que a tecnologia da TV não chega nos cafundós da Gromelândia, seja lá onde diabos isso fica. O Harvey’s, assim como Bete, é um lugar decadente. Fundado no lugar do antigo Jekyll, o bar funcionava como um novo polo na Cidade Baixa. Foi o primeiro a usar o chopp à jato e o último a apelar para os atendentes-robôs. O velho Chico era um adepto do clássico. Quase um João. Todos gostavam do Harvey’s até acontecer o massacre de setembro de 2015. Doze mortos foram suficientes para transformar o bar num antro de miseráveis. Gente como o Basi. Gente como eu.
Quando entro no Harvey’s, a conversa cessa. Se esse pessoal soubesse que sou bem menos fodástico do que minha fama, não estariam tremendo. Um atendente-robô jaz empilhado num canto escuro, desativado. O Chico já serve minha dose de sempre e faz o copo deslizar pelo balcão antes de eu dizer qualquer coisa. Olho torto para os gatos pingados do lugar e meto medo. A única que me esquadrinha é a Bete. Vejo o zoom do seu olho esquerdo ser ativado. Ela está analisando até minha alma, e com cara de poucos amigos. Ela já sabe o que quero. Não tenho porque ser cortês.
- Desembucha, Bete!
- Não sei de nada, Pedroso.
- Sabe e vai me dizer. Vou perguntar só uma vez: onde está o Basi?
Ela cospe na minha cara. Não é a primeira ruiva a fazer isso e não vai ser a última. Ouço gritos e lamentos quando saio do lugar com o olho biônico da Bete na mão. O Basi não estava lá, mas agora tenho um nome.
Drako Rebello, o dono da Disco Inferno.
Um comentário:
Essa parte da ruiva...já existia no original, como uma premonição? Ou foi uma livre adaptação???? Loucura!
Beijos
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