quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Magia.

...e atravessava a rua com passos pesados. Em volta, a paisagem desolada convidava o pensamento para o relembrar. Uma parada de ônibus. Sabia que ali havia tido discussões, feito promessas, se despedido. Uma, duas, várias vezes. Três pessoas esperavam o ônibus na manhã. Nenhuma das três era. Manhã pós-natal. Cedo. Uma época tétrica para os solitários. E ele era um. Observava o bar que pegou como seu, acostumado com o movimento noturno do lugar. Mas não era mais noite. O bar estava fechado.

Poucas pessoas saindo de suas casas. Ainda cedo. Na esquina, o sorvete barato que agora não tem preço. Também fechado. Pedia o de iogurte, com sabor de nada. Pedia por pedir. Gostavam disso. Além das grades, dois vagabundos dormiam na calçada da frente. “É o que resta”, pensou ele. Na transversal, os lugares com nomes estranhos que serviam de refúgio em algumas noites. Fechados. O natal faz isso com os lugares, não interessa os nomes que eles tenham. Lembrava que o tempo passava devagar quando chegavam nesses locais. Ofuscantes. Interessantes. Irresistíveis. Magia. Os ponteiros corriam rápidos logo depois. Tempo nenhum parecia suficiente. E não era. Cremes e taças de vinho eram bons no inverno. Fim de ano não é inverno.

Na esquina mais movimentada da Cidade Baixa havia uma alma penada. Ele olhava para um lado e via um cinema com filmes-cabeça. Olhos arregalados na tela. Risadas nervosas. Outra parada de ônibus naquela direção. Olhava para o outro lado e pedia o de sempre para o garçom de sempre: um para dois. A mesa era a de sempre também? Disso ele não lembrava. Ou lembrava e queria deslembrar. O sol já batia no seu rosto. Sol de cedo. Magia. Tinha que atravessar para a sombra e atravessou.

A nova calçada era velha conhecida. Via as mesas e cadeiras de costume espalhadas por tudo. O barulho das pessoas conversando e bebendo. Passavam costurando entre as mesas com sorrisos. Ele sempre na retaguarda. Mão direita grudada na mão direita. Mas cedo assim, não havia cadeiras, nem mesas, nem gente bebendo. Havia sim uma sopa de capelletti no pão que nunca aconteceu. Outra promessa. Quem vê, parece que só pensavam em comida, mas olhando melhor no fim daquela rua, ele se viu deitado num colo de banco de praça. Lendo alto um livro que não era seu. Bisbilhotando nos briques de domingo à procura de uma felicidade que cabia em seus bolsos. Magia.

Já tinha mais pessoas na rua quando ele ganhou a avenida. Era cedo, mas não era mais tão cedo. Por mais que caminhasse, parecia que seu travelling out insistia em lhe cutucar os sentidos. Sua manhã pós-natal era feita de insights e esquinas. Nem insights e nem esquinas são boas companhias no fim de ano. Na última por onde passou, viu alguém vestida de preto, ao lado de uma banca de revistas. No corredor de ônibus da avenida, alguns veículos cujo itinerário conhecia de cor já se projetavam. Via-os parando. Primeiro de perfil, depois de frente, esperando alguém descer. Esperava por algo/alguém? Chegou a parar por uns momentos. Gente feia descia dos ônibus. Dois, quatro, cinco desafortunados (as) que não conseguiram engrenar um recesso de fim de ano e tiveram que acordar cedo de seus sonhos. Nenhum dos cinco era. Ele não esperava que fosse.

Até ele dobrar na rua que queria, a avenida mantinha-se longa. Lembrava de ter parado algumas vezes em certo ponto de táxi, mas nunca pegou um táxi ali. Tarde da noite, sempre. Outro lugar de despedidas. Descobriu-se acostumado com isso: abanar e deixar seguir viagem. Desta vez, não teve abano. Só seguiu viagem. E como sempre e sempre esperado, voltaria sozinho para onde quer que fosse. O caminho continuaria longo, e não era mais tão cedo. Queria sorrir de desdém, mas atravessava a avenida com passos. Novamente pesados. A saudade muda não deixava que ele mostrasse os dentes. Saudade do que não.

Magia?

Como dizia o livro que não era dele:

“Achava que sim.”

“Que sim.”

“Sim.”

8 comentários:

Anônimo disse...

Agora sim tu tá conseguindo ser prolixo. Parabéns! kkkkk

Édnei Pedroso disse...

Antes tarde do que nunca, certo?

Anônimo disse...

Magia ou feitiço?

Édnei Pedroso disse...

Um feitiço teria de ser lançado por alguém, e a magia simplesmente acontece. Foi algo bom, recíproco e mágico nesses pequenos momentos. Não foi lançado, simplesmente aconteceu.

Definitivamente, magia.

Anônimo disse...

Se vc diz....

Édnei Pedroso disse...

Bem, sempre estou aberto à novas perspectivas. Se tu tiveres uma melhor que essa, coloca na roda. Ela (a perspectiva) será bem-vinda.

Se quiser falar melhor de feitiços e afins, me add no MSN (edneipedroso@hotmail.com). Se já for um contato meu, se identifica e vamos tomar uma ceva (ou um café) juntos.;-)

Anônimo disse...

Então meu bom, eu fiz a pergunta, mas não dei a resposta à tua resposta. Só fiquei curioso. Não tenho nenhuma perspectiva quanto ao assunto, ainda mais por ele ter sido uma vivência tua, e cada um sabe de si.
Teus post são legais. Vez q outra passo por aqui. Até a próxima.

Édnei Pedroso disse...

Inté.