quarta-feira, 19 de maio de 2010

Uma paz que não é boa.

Sensacional. Emblemática. Destruidora de paradigmas. Não há palavras suficientes para descrever a reta final desta oitava e última temporada de 24, que teve seu cancelamento anunciado pela Fox há um mês, e terá seus últimos dois episódios veiculados nos States na próxima segunda-feira.

Previously...

Vimos que o ex-agente Jack Bauer (Kiefer Sutherland) foi sumariamente puxado de sua aposentadoria para deter uma série de atos terroristas que visavam acabar com o acordo de paz a ser firmado pelos EUA e a fictícia IRK (Islamic Republic of Kamistan), chefiada pelo bondoso Presidente Omar Hassan (Anil Kapoor). Com gente de seu próprio governo conspirando por sua morte, Hassan passou metade da temporada esquivando-se de toda sorte de atentados, sob a guarda incessante da CTU (Counter Terrorist Unit) e de Jack, que usou de sua vasta experiência muito mais para prevenir do que para remediar nestas primeiras 12 horas do dia, o que tornou tímida/lenta/quase parada a narrativa da série na maior parte desta 1ª parte (pré-anunciando uma despedida mediana, diria até melancólica, para o obstinado herói). Porém...

ALERTA DE SPOILER – ALERTA DE SPOILER – ALERTA DE SPOILER

Aproveitem o papo...enquanto podem.

Episódios 16 e 17 (7:00AM – 8:00AM/8:00AM – 9:00AM)...


Neste fatídico episódio 16, o impensável aconteceu: em um resgate tardio, Omar Hassan é morto pelos terroristas, assinalando a primeira vez – em 8 anos de série – que Jack Bauer falha em sua missão. Com a morte do líder árabe, o que parecia ser o fim do processo de paz ganha uma nova perspectiva com a ascensão de Dalia Hassan (Necar Zadegan), esposa do finado presidente islâmico, à liderança da IRK e, consequentemente, à frente da assinatura do tal tratado. Prestes a encerrar os trabalhos e voltar para casa, Jack novamente é arrastado aos acontecimentos pela troca de ameaças que já é tradicional na estrutura de 24: saem os terroristas árabes, entra Moscou. Temerosos de serem descobertos por uma pequena casualidade, o governo russo (verdadeiro responsável por trás dos acontecimentos do dia, uma vez que o tratado de paz vai de encontro aos seus interesses na região árabe) elimina Reneé Walker (Annie Wersching), colocando Jack em uma cruzada pessoal de vingança. E como desgraça pouca é bobagem...

De luto.

O presidente pródigo...


Com a desculpa oficial do governo russo de não querer assinar um tratado liderado por Dalia Hassan – uma líder ilegítima – entra em cena o único homem capaz de colocar Moscou de volta à mesa: o ex-presidente Charles Logan (o excelente Gregory Itzin), afastado do cenário político americano após as barbaridades da 5ª temporada. Como forma de “retornar ao jogo”, o eterno desafeto de Jack Bauer oferece seus serviços de “consultoria” para a Presidente americana Allison Taylor (Cherry Jones), já instável pelos acontecimentos do dia, guinando a trama para um caminho de dualidade nunca visto antes em 24. Ele traria os russos de volta às negociações de paz, mas por um preço beeeem alto...

Charles Logan manipuland...er, conversando com a Presidente Taylor.

O grande vilão...

Esqueçam Ben Linus, esqueçam o Canceroso, esqueçam Paul Millander, esqueçam The Trinity Killer. Com sua fala mansa e veneno em cada palavra que usa, Charles Logan consolida-se – nesta temporada – como o mais ardiloso vilão da TV de todos os tempos. Ele não apenas utiliza de chantagem e contatos para entrar de cabeça no tratado de paz, como também corrompe a maior defensora do processo: o momento em que Logan coloca as cartas na mesa para a Presidente Allison (até ali, o exemplo máximo de hombridade de toda a história de 24) e a intima a tomar uma decisão que lhe custaria a alma, temos a oportunidade rara – como espectadores – de ver um personagem sendo esmigalhado em seu interior. Itzin e Jones, dois gigantes em cena (vejo Golden Globe vindo aí), resgatando a profundidade das ações que pareciam ter se perdido no início da temporada, mas que retornaram, nas mãos desses dois atores/personagens e nas dos roteiristas (que parecem ter acordado com a corda toda), com maestria narrativa.

E embora Charles se consagre com sua vilania e tenha lavado suas mãos jogando a responsabilidade para cima de Taylor (em mais uma cena nada menos que memorável), engana-se quem pensa que ele é o grande vilão DESTA temporada. Assinado com o sangue de Omar, de Reneé e de outros tantos inocentes, e firmado sob a premissa do abafamento do envolvimento dos russos nos acontecimentos, o tratado de paz torna-se o maior vilão da oitava temporada de 24. As palavras do Secretário de Estado Ethan Kanin“Esta é uma paz que não é boa, Allison.” – ilustram isso da forma mais emblemática possível. Para manter o tratado ativo, Logan é capaz de tudo, e Allison terá de ser como ele. Só tem um pequeno problema...

Isso não vai ficar assim MESMO!

Jack Bauer contra o mundo...

Sendo o único disposto a tornar público o envolvimento do governo russo na morte de Omar Hassan, Jack se vê obrigado a fazer o que faz melhor: ir contra tudo e contra todos. Curiosamente, o ex-agente se vê vítima de seu provérbio predileto: os fins justificam os meios. Ao longo das oito temporadas de 24, Jack Bauer matou e torturou homens e mulheres para proteger seu país, e agora seu governo resolveu aderir ao mesmo lema para manter um tratado de paz que, supostamente, poupará milhões de vidas.

Pô, Chloe! Não faz assim, não...

E no último episódio...

O que foi uma sacada genial dos roteiristas da série serve agora como combustível para proezas e situações de cair o queixo nestas últimas horas do dia. Jack Bauer tornou-se o homem mais procurado da América, mas isso não o detém. Estripar interrogados é tarefa fácil (fica a dica: se for raptado, nunca engula seu chip de celular). Capturar ex-presidentes é como um passeio no parque (a cena na qual Jack aterroriza em um túnel para pegar Charles Logan – referência clara a filmes slashers como “Sexta-Feira 13” e “O Massacre da Serra Elétrica” – é absolutamente sensacional). Com um banho de sangue perpetrado por Jack, uma prova da conspiração russa nas mãos de uma jornalista perseguida pelo FBI, e Chloe O’Brian (Mary Lynn Rajskub) caçando o próprio amigo como diretora interina da CTU, 24 caminha para uma despedida a altura do maior seriado de ação de todos os tempos.

Quem viver, verá.

sábado, 1 de maio de 2010

Quando Lost se perdeu?

AVISO DE SPOILER! AVISO DE SPOILER! AVISO DE SPOILER!

Nesta semana, um artigo online da Folha de São Paulo deixou os fãs de Lost e os fóruns sobre o programa em polvorosa. No referido texto, dois jornalistas enumeraram uma série de questões e mistérios que, segundo eles, o seriado ainda não havia respondido ao espectador que acompanha o show criado por J.J. Abrams em seus seis anos de existência, e que ficariam ainda mais difíceis de serem sanados, uma vez que o seriado está para acabar neste mês.

Para quem assiste assiduamente a Lost, ficou claro a falta de esclarecimento e conhecimento do assunto dos profissionais do jornal, que listaram algumas perguntas até pertinentes, outras que a atração só há de revelar no último episódio ("o que é a ilha?", por exemplo), e muitas outras – a maioria das questões, na verdade – que já foram respondidas ao longo dos 116 episódios já exibidos. O texto pouco balizado, mas com a alcunha de ser veiculado no melhor jornal do Brasil, atraiu a atenção (e a fúria) de sites brasileiros especializados na série e em seriados em geral: uns se limitaram a responder os tais mistérios levantados pela Folha com certa ironia (Dude, We Are Lost!), outros também fizeram o tira-teima, mas soaram prepotentes e até ofensivos (LiGado em Série), e outros se mantiveram na defesa da essência do seriado, na defesa da manutenção do mistério e do direito dos roteiristas e produtores de Lost em mantê-los (Lost In Lost).

Ora, por mais que o Bruno Carvalho tenha um conhecimento absurdo sobre seriados, ou que eu me identifique mais com os ideais levantados pelo texto do Carlos Alexandre, vamos combinar que Lost não é uma das série mais populares de todos os tempos por atingir meia dúzia de gatos pingados: é um entretenimento de massa, e massa quer dizer povo, e povo, estatisticamente falando, não gosta de ficar no escuro.

Isso, claro, explica o grande motivo para o descontentamento viral com Lost (o acúmulo de mistérios), mas engana-se quem acredita que foi aí que Lost se perdeu, tampouco quando apelaram para viagens no tempo (e não há melhor recurso narrativo para encher lingüiça do que esse), nem quando mataram o melhor personagem da série e colocaram uma cruza de belzebu com fumaça de escapamento em seu lugar (apenas para não descartar o excelente ator Terry O’Quinn). Acreditem ou não, Lost se perdeu quando resolveu começar a elucidar seus mistérios.

Depois de duas (excelentes) temporadas inteiras despejando as perguntas mais escabrosas nas cabeças dos espectadores (como, por exemplo, o enigma da escotilha e seu botão do fim do mundo), veio a fatídica 3ª temporada, centrando sua narrativa microscópica nos “Outros”. E qual a nossa surpresa quando descobrimos que aquelas pessoas misteriosas que se moviam como ninjas e se vestiam de peles e sacos de arroz enquanto seqüestravam crianças eram apenas e simplesmente “pessoas”, como eu, como você, como o Joaquim da padaria, e que em nada lembravam o malvado Ethan, cuja super força e resistência mostrados na 1ª temporada o faziam puxar um adulto ribanceira acima com apenas um braço (e ninguém sabe como ele fazia aquilo).

Foi exatamente aí, tentando dar vida e rosto aos Outros, que os roteiristas de Lost se viram em uma cilada: entregaram uma de suas mais valiosas cartas (“quem são os ‘Outros’?”) cedo demais. Ora se esse não era um dos principais mistérios de toda a série até aquele momento (quase tão primordial quanto “o que é a ilha?”) e olha se esse mistério não estava ali, sendo explorado de dentro para fora sob os pontos de vista de Jack, Kate e Sawyer – os três prisioneiros dos pretensos “nativos”.

Nesta altura do campeonato, era até possível que Lost ainda estivesse seguindo um script, mas Ben Linus – o enigmático líder dos Outros – resolveu sobressair às linhas (essa é uma premissa normal em roteiros: bons personagens costumam fazer seus próprios caminhos) e engolir a trama da temporada inteira para si, afinal, a 3ª temporada era centrada na estadia dos três presos acima citados com os Outros, e o motivo de suas prisões era um só: a doença de Ben. Jack era o médico-cirurgião que iria curar o vilão. Kate era usada para controlar Jack, ao passo que Sawyer era usado para controlar Kate. Mas e a trama da ilha, como é que fica? A trama, depois de Ben Linus, resumiu-se a tentar explicar as coisas, tentando não pisar nos próprios cadarços.

São várias as vezes que se pode perceber a agulha da bússola dos roteiristas girando sem parar em pegadinhas que eles mesmos se aprontam. Num episódio, você “não iria querer conhecer o capitão” do cargueiro Kahana (o barco enviado por Charles Widmore para virar a ilha de cabeça para baixo), no outro, o Capitão Gault aparece e se mostra uma pessoa amável e até mesmo prestativa (pouco antes de levar um tiro – mais um dos muitos personagens de Lost que não serviu para nada). Na temporada das viagens no tempo (5ª), a série chega ao cúmulo de cometer um erro grotesco de linearidade e apontá-lo, como se tudo tivesse sido planejado desde sempre: Sayid havia acabado de dar um tiro em um Ben Linus de 12 anos de idade. Eis que no episódio seguinte, Hurley pergunta para Miles:

- “Se Sayid deu um tiro em Ben quando ele era pequeno, como é que o Ben não reconheceu Sayid quando o encontrou pela primeira vez na escotilha?”


A “saída” para esta auto-cilada foi levar o garoto para ser curado pelos Outros da época, liderados por Richard Alpert, que antes de aceitar o moleque, avisou:

- “Vamos curá-lo, mas ele vai voltar diferente do que é, E NÃO VAI SE LEMBRAR DE NADA.”


Assim fica fácil, não?

O que mais incomoda não é nem algumas discrepâncias espalhadas pelo seriado (toda boa obra tem gosto de queijo de vez em quando), ou como Lost quase virou uma série exclusivamente de ficção científica (e eu adoro ficção científica, mas vamos combinar que não é o espírito do programa), e sim como grandes mistérios de uma série que é (ou deveria ser) sobre mistérios têm se elucidado de forma decepcionante e, impressionantemente, com o aval dos fãs mais exacerbados de Lost. Certamente, é mais uma reação emocional do que qualquer outra coisa, mas como aceitar passivamente que a seqüência de números mais emblemática da cultura pop é apenas uma referência randônica a nomes em uma lista (poderia ser um 97 no lugar do 42 que não faria a menor diferença)? Como pensar que é uma ótima idéia dizer que os sussurros que gelaram as espinhas dos sobreviventes do vôo 815 eram apenas almas penadas? Como aceitar que o grande vilão da 3ª temporada (e potencialmente do seriado todo) seja delegado a personagem de quinta categoria nesta última temporada? Como vislumbrar a remota insinuação de que a ilha possa ser o gargalo do inferno? Será que o senso crítico dos viciados em Lost anda tão avariado a ponto de não perceberem que essas artimanhas narrativas são saídas fáceis? Que tal forma chula de solucionar dúvidas é leviana? Que é muito feio da parte dos Srs. Lindelof e Cuse (responsáveis atuais pela série) elevar as expectativas de um público que segue a ilha há seis anos para, então, darem sorvete seco como prêmio de consolação?

Eu acompanho Lost, e gosto da série pelo que ela representa como entretenimento, pelo que ela inovou como seriado. Espero ávido pelos quatro últimos episódios, mas confesso – salvo algo muito bombástico ocorra nesta reta final – que tenho saudades dos tempos do Lostzilla.