A expectativa era grande na casa dos Pedroso naquela noite de sexta. O primogênito da família (eu) estava pra chegar de uma viagem cansativa, cheia de caminhos tortuosos que serviam para contornar uma BR-101 em obras.
Sete horas depois de sair de Porto Alegre, chego na casa da minha mãe e descubro que a tal expectativa só era grande porque faltava apenas eu para poderem sair e pular o famoso carnaval de rua de Tubarão. Mal tomei banho e já estava na avenida, pulando feito doido uma música que, em outros carnavais, me daria embrulho no estômago. Mãe, irmãs, prima, cunhado, e uma moça muito especial que fazia tempo que eu não via, me acompanhavam na folia. Alguns (como eu), bebendo cerveja atéééé...outros (as) mais recatados (as), apelando para doses moderadas de guaraná.
A festa seguiu bem até um empolgado resolver quebrar uma cadeira nas paletas de um infeliz. Comoção. Galera correndo e brigadianos chegando passivamente, como se fossem foliões fantasiados de PMs e suas viaturas fossem fuscas disfarçados.
Era umas 3 e poucas quando a polícia resolveu cessar o som e mandar todo mundo para as suas casas. É claro que todos ficamos acordados para colocar os assuntos em dia, e não eram poucos:
- Como tá o trabalho?
- Como tá a facul?
- Como tá o Piá?
- Tá namorando?
- Como estão os filmes?
- Tens te alimentado?
- E o lugar onde tu tá morando?
- Como tá teu pai?
- Tens te alimentado?
- Tens te alimentado?
Mães. Sabem como é. Embora muitos por aí tenham rusgas com as suas, eu sempre me dei surpreendentemente bem com a minha. Se tivemos nossas diferenças, daria pra contar nos minutos de uma hora, no decorrer de toda uma vida. Uma boa média, eu diria.
Falamos sobre todo o tipo de assunto possível e eles me contaram as novidades, que nunca são novidades, tendo em vista a cidade onde vivem. Tubarão é o tipo de lugar que cresce apenas verticalmente. Quem tem dinheiro, se dá bem. Quem não tem, não tem e pronto. Era isso. Toda vez que tenho que ir pra lá (e só vou porque minha filha e minha família moram lá), constato que nem um tijolo é mudado na cidade toda. E o sotaque...ah meu Deus, a pior parte e o sotaque.
Curiosamente, o tempo resolveu mudar daquele fim de semana em diante. Passei frio por não levar roupas de outono e a chuva fininha chegava nas piores horas. Isso tudo porque, neste ano, a cidade tinha resolvido fazer carnaval de rua em três dos quatro dias de feriadão. Depois desta primeira noite, passei o resto do tempo em casa.
Mais assuntos em dia, iguarias culinárias feitas pela minha irmã, que tem mãos de ouro para cozinhar (lamento, ela já é casada) e a jogatina inerente aos Pedroso. Sim, somos uma família de jogadores de baralho. O predileto do pessoal é a Tranca, uma espécie de canastra anabolizada onde um “3” pode ser sua salvação ou sua perdição. Certa vez, alguém me disse que a única coisa que me restava na vida era ser “um jogador”. Bem, não posso dizer que jogo mal, uma vez que fui criado em meio a pessoas que “adivinham” as cartas que estão nas mãos dos adversários. Algo do tipo “porque não jogaste o valete que tá na tua mão há quatro rodadas???”
Entre uma carta e outra, toda sorte de pautas eram colocadas pelos jogadores. O mais polêmico sempre foi meu padrasto, que viajava de política para religião num piscar de olhos. Ele é do tipo divertido, com uma visão, eu diria, peculiar sobre as coisas. Tento incutir um pouco de “visão geral das coisas” naquela cabecinha. Nem sempre dá certo. Tente misturar Javier Barden e Crocodillo Dundee e talvez tu chega perto.
Família, filhota, um pouquinho de descanso e uma certa pessoa. Na segunda-feira de noite, fizemos um happy hour numa famosa lancheria da cidade. A família, alguns amigos e ela. Era algo meio de destino. Quando nos conhecemos, foi afinidade a primeira vista: ela havia iniciado o curso de enfermagem e eu recém tinha me casado pela segunda vez. Lembro de tê-la achado especial no primeiro minuto, mas nossa situação de vida nunca havia dado qualquer chance de qualquer coisa. Eu sempre comprometido e ela sempre na correria. Até que justamente nesse feriadão de carnaval, nos descobrimos sem barreiras, sem empecilhos, livres. Toda sua história de vida, personalidade e beleza sempre me foram motivos de admiração. Sabia que ninguém era perfeito, mas acredito que a perfeição, assim como a arte, está nos olhos de quem a vê, então não tive dúvidas. Por mais que o lugar não fosse o mais românico do mundo, não correria o risco de perder a oportunidade de, quem sabe num mundão perfeito, ficar com alguém assim: pedi a moça em namoro. Depois de tanto tempo que eu não fazia isso, tive medo de que eu houvesse perdido a prática.
Ela ficou de pensar.
Voltei para Porto Alegre com aquela sensação de que o ano finalmente daria a guinada que eu esperava tão ansiosamente. Um sentimento de que a vida podia melhorar e o futuro, embora incerto, tinha perspectivas muito otimistas.
Quatro dias depois, ela me mandou um e-mail. Agora tenho um ótimo motivo para gostar de carnaval...
Sete horas depois de sair de Porto Alegre, chego na casa da minha mãe e descubro que a tal expectativa só era grande porque faltava apenas eu para poderem sair e pular o famoso carnaval de rua de Tubarão. Mal tomei banho e já estava na avenida, pulando feito doido uma música que, em outros carnavais, me daria embrulho no estômago. Mãe, irmãs, prima, cunhado, e uma moça muito especial que fazia tempo que eu não via, me acompanhavam na folia. Alguns (como eu), bebendo cerveja atéééé...outros (as) mais recatados (as), apelando para doses moderadas de guaraná.
A festa seguiu bem até um empolgado resolver quebrar uma cadeira nas paletas de um infeliz. Comoção. Galera correndo e brigadianos chegando passivamente, como se fossem foliões fantasiados de PMs e suas viaturas fossem fuscas disfarçados.
Era umas 3 e poucas quando a polícia resolveu cessar o som e mandar todo mundo para as suas casas. É claro que todos ficamos acordados para colocar os assuntos em dia, e não eram poucos:
- Como tá o trabalho?
- Como tá a facul?
- Como tá o Piá?
- Tá namorando?
- Como estão os filmes?
- Tens te alimentado?
- E o lugar onde tu tá morando?
- Como tá teu pai?
- Tens te alimentado?
- Tens te alimentado?
Mães. Sabem como é. Embora muitos por aí tenham rusgas com as suas, eu sempre me dei surpreendentemente bem com a minha. Se tivemos nossas diferenças, daria pra contar nos minutos de uma hora, no decorrer de toda uma vida. Uma boa média, eu diria.
Falamos sobre todo o tipo de assunto possível e eles me contaram as novidades, que nunca são novidades, tendo em vista a cidade onde vivem. Tubarão é o tipo de lugar que cresce apenas verticalmente. Quem tem dinheiro, se dá bem. Quem não tem, não tem e pronto. Era isso. Toda vez que tenho que ir pra lá (e só vou porque minha filha e minha família moram lá), constato que nem um tijolo é mudado na cidade toda. E o sotaque...ah meu Deus, a pior parte e o sotaque.
Curiosamente, o tempo resolveu mudar daquele fim de semana em diante. Passei frio por não levar roupas de outono e a chuva fininha chegava nas piores horas. Isso tudo porque, neste ano, a cidade tinha resolvido fazer carnaval de rua em três dos quatro dias de feriadão. Depois desta primeira noite, passei o resto do tempo em casa.
Mais assuntos em dia, iguarias culinárias feitas pela minha irmã, que tem mãos de ouro para cozinhar (lamento, ela já é casada) e a jogatina inerente aos Pedroso. Sim, somos uma família de jogadores de baralho. O predileto do pessoal é a Tranca, uma espécie de canastra anabolizada onde um “3” pode ser sua salvação ou sua perdição. Certa vez, alguém me disse que a única coisa que me restava na vida era ser “um jogador”. Bem, não posso dizer que jogo mal, uma vez que fui criado em meio a pessoas que “adivinham” as cartas que estão nas mãos dos adversários. Algo do tipo “porque não jogaste o valete que tá na tua mão há quatro rodadas???”
Entre uma carta e outra, toda sorte de pautas eram colocadas pelos jogadores. O mais polêmico sempre foi meu padrasto, que viajava de política para religião num piscar de olhos. Ele é do tipo divertido, com uma visão, eu diria, peculiar sobre as coisas. Tento incutir um pouco de “visão geral das coisas” naquela cabecinha. Nem sempre dá certo. Tente misturar Javier Barden e Crocodillo Dundee e talvez tu chega perto.
Família, filhota, um pouquinho de descanso e uma certa pessoa. Na segunda-feira de noite, fizemos um happy hour numa famosa lancheria da cidade. A família, alguns amigos e ela. Era algo meio de destino. Quando nos conhecemos, foi afinidade a primeira vista: ela havia iniciado o curso de enfermagem e eu recém tinha me casado pela segunda vez. Lembro de tê-la achado especial no primeiro minuto, mas nossa situação de vida nunca havia dado qualquer chance de qualquer coisa. Eu sempre comprometido e ela sempre na correria. Até que justamente nesse feriadão de carnaval, nos descobrimos sem barreiras, sem empecilhos, livres. Toda sua história de vida, personalidade e beleza sempre me foram motivos de admiração. Sabia que ninguém era perfeito, mas acredito que a perfeição, assim como a arte, está nos olhos de quem a vê, então não tive dúvidas. Por mais que o lugar não fosse o mais românico do mundo, não correria o risco de perder a oportunidade de, quem sabe num mundão perfeito, ficar com alguém assim: pedi a moça em namoro. Depois de tanto tempo que eu não fazia isso, tive medo de que eu houvesse perdido a prática.
Ela ficou de pensar.
Voltei para Porto Alegre com aquela sensação de que o ano finalmente daria a guinada que eu esperava tão ansiosamente. Um sentimento de que a vida podia melhorar e o futuro, embora incerto, tinha perspectivas muito otimistas.